Cidade na Mata Sul de Pernambuco ainda não se adequou à Política Nacional de Resíduos Sólidos e nem tirou do papel uma cooperativa de reciclagem
Por: Priscilla Costa, da Folha de Pernambuco
Thaylânia Sofia tem apenas 5 meses e, mesmo com tão pouco tempo de vida, seu destino deverá ser o mesmo que o do avô e dos pais.
Num barracão de lona, tábua e chão batido, de três cômodos, a pequena vive em meio às moscas e urubus, rodeada de lixo.
A realidade de pobreza extrema não é só a da sua família, mas a de dezenas que moram em meio a uma imensidão de lixo a céu aberto em Vitória de Santo Antão, Mata Sul do Estado.
É lá, a dois quilômetros da BR-232, que 80 famílias sobrevivem com o pouco dinheiro arrecadado com a venda de materiais recicláveis que recolhem do lugar.
A cada dia, as montanhas de lixo têm aumentado ao ponto de já serem vistas da pista. Um cenário que, para a maioria das pessoas que reside no local, é rotina há mais de 30 anos.
E, enquanto a cidade não se adequá à Política Nacional de Resíduos Sólidos nem a promessa da gestão de implantar uma cooperativa de reciclagem não sai do papel, resta às famílias a ilusão de acreditar que, algum dia, suas vidas podem mudar.
“Têm dias que não tem comida. Olho para dentro de casa e não tem nada. Hoje (ontem) a gente vai comer feijão com charque. Não sei o amanhã. Mas, comida pode até faltar, mas temos a nossa fé em Deus, não.
Ninguém tem vergonha de morar dentro do lixão e catar o sustento daqui, mas também não era isso que a gente queria”, desabafa o avô da pequena Thaylânia Sofia, Adriano José da Silva, 38 anos.
Sem saber ler nem escrever, condição de todos que moram no lugar, não encontram oportunidades de trabalho e acabam se limitando ao lixão.
“Eu queria que tudo fosse diferente. Mas, até para varrer chão você tem que ter o segundo grau. Mesmo que a gente queira sair dessa realidade, o destino acaba sendo esse mesmo.
Para render mais trabalhamos juntos aqui em casa”, conta Alexsandro Félix da Silva, 17 anos, pai da criança. Todos os dias, às 5h, ele e o pai, Adriano, saem de casa e só retornam sete horas depois, enquanto Adriele do Nascimento, 15, cuida da sua filha Thaylânia.
Todo o material é vendido quinzenalmente. Até lá, os entulhos ficam guardados em grandes sacos num quintal improvisado, junto aos porcos e galinhas que Adriano José cria.
Quem também vive do lixo é Carlos André Ferreira, 26. Assim como a rotina da família de Adriano, a sua não é nada fácil. “É das 5h até as 18h, 19h. No fim de tarde, o caminhão da prefeitura chega com mais lixo e isso vale ouro para a gente.
Quanto mais, consegue tirar mais um pouquinho de dinheiro. Chego a tirar até R$300 por semana. Dá para garantir o leite em casa”, diz. O seu irmão, Gustavo Santos, 21, também segue o mesmo caminho. Tira do lixo o seu sustento há seis anos.
“E quando não é isso, faço um bico de encanador aqui, outro bico de ajudante de pedreiro ali. Tendo serviço, eu faço. E assim, a gente vai se arrumando.
Todo dia, uma vitória.” A fé que ambos carregam, descrevem, é os que mantêm firmes para enfrentar as dificuldades. Católicos desde criança, levam no pescoço um terço.
“O pouco para os outros, para a gente é muito. Se estamos aqui é permissão de Deus”, fala, emocionado, Ferreira.
Consequências
Banheiro é luxo pra eles, que tomam banho de cuia. Chegam a andar mais de 100 metros para buscar água em sítios próximos ou compram garrafa de água mineral. As necessidades são feitas em privadas que ficam ao fundo dos barracões. O depósito de mais lixo, gerado na própria cidade, chega diariamente por meio de caminhões da prefeitura. Nisso, a imundície que toma conta do lugar também é um risco para a saúde pública e do próprio meio ambiente.
“Os lixões são criadouros de bactérias e parasitasse, o que é preocupante, visto que essas pessoas têm contato direto, sem luvas ou botas.
Além disso, lixões são chamariz para roedores, que podem transmitir doenças como a leptospirose.
Um perigo essa vida que eles levam”, alerta o infectologista Vladimir Guimarães. Sem tratamento, o próprio lixo orgânico entra em combustão, fazendo com que o metano - 21 vezes mais nocivo do que o gás carbônico - contribua ainda mais para a poluição do ar.
“Claro que tememos o fechamento desse lixão.
Se já somos invisíveis para a sociedade, imagina se tirarem o nosso único ganha pão?!”, questiona uma das moradoras, Nataciana de Miranda, 24.
Promessas
Secretário de Planejamento e Orçamento de Vitória de Santo Antão, José Barbosa explicou que os trâmites burocráticos de licitação são o principal impasse para que a gestão instale uma usina de geração de energia.
“O projeto está pronto.
Mas, não podemos fazer um contrato direto com a empresa que irá executar. É preciso passar por licitação e esse processo não é rápido”, justifica.
Embora sem prazo para a instalação do equipamento, com o fechamento do lixão, os caminhões de coleta iriam descarregar todos os entulhos diretamente na usina. Segundo ele, até 97% do lixo seriam incinerados para a geração de biogás.
“Esse biogás seria utilizado pelo próprio município ou ser vendido para empresas, gerando renda e emprego para Vitória de Santo Antão.
A usina chega a ser mais eficaz que um aterro, uma vez que aterro tem validade. Chega um momento que não há mais terra para enterrar tanto entulho”, analisa Barbosa.
Ele alega que a medida não iria prejudicar as famílias.
“A ideia é também criarmos uma cooperativa de catadores de lixo para dar destino ao que não fosse aproveitado na usina para que eles não deixem de ter a própria renda.
Mas, claro que estamos analisando para onde realocá-los antes de a usina ser implantada. Não podemos simplesmente expulsá-los porque há todo um contexto social por trás”, pondera o secretário.
Procurado pela Folha, o Ministério Público de Pernambuco informou que “o órgão ajuizou ação civil pública em relação à regularização do lixão de Vitória e o processo ainda se encontra na Justiça para decisão final.”
Fonte: Folha
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