EM 2010, EM MÉDIA, 22 VETERANOS TIRARAM A SUA VIDA POR DIA
Por cinco anos, o
sargento do Exército americano Dwight Smith fora motivo de orgulho para a sua
pátria e sua família.
O jovem, que iniciara
a carreira militar em 2006, servira no Iraque nos dois anos seguintes, e no
Afeganistão nos dois subsequentes, até obter a condecoração do Coração Púrpura
para os feridos ou mortos no campo de batalha.
Até
que, dias antes do Natal de 2011, quando visitava a família no Estado de
Delaware, o rapaz de então 24 anos perdeu de vez o controle.
Na
manhã de 19 de dezembro, testemunhas ouviram quando o Hummer, o veículo-tanque
vermelho com vidro fumê que Smith dirigia, atropelou Marsha Lee, de 65 anos,
uma senhora ativa e querida na comunidade de Wilmington.
Dizendo
que levaria a vítima, que estava gritando e ferida, para o hospital, o veterano
colocou a mulher no banco de trás e dirigiu para um bosque das redondezas. O
corpo de Marsha foi encontrado horas depois, sem roupas e com a cabeça
desfigurada por um objeto cortante – possivelmente uma pedra.
Quando
a polícia inspecionou o Hummer de Smith, após ele se entregar às autoridades,
encontrou o veículo forrado de manchas de sangue.
Enquanto
o soldado aguarda para responder em julgamento a seis acusações graves –
incluindo sequestro, homicídio doloso e estupro –, que podem levar à pena de
morte, uma carta escrita pelo ex-soldado para o seu pai ofereceu explicações para
o incidente.
"Vou
ser honesto com você, pai. Matei muitos homens e crianças. Alguns nem fizeram
nada para eu matá-los. Alguns outros pediram misericórdia", escreveu
Smith. "Eu tenho um problema. Acho que estou viciado em matar."
'Não será a última vez'
Mas nem a comoção
causada na pequena cidade pela barbaridade do crime ofuscou a percepção de que
Smith não é um caso horripilante de psicopata ou serial killer.
Após
o incidente, o pai do soldado, Dwight Smith Sr., disse à imprensa americana que
seu filho sofrera ferimentos graves no Afeganistão e que duas vezes quase
morrera. Em uma delas, apenas meses antes de matar Marsha, escapou com lesões
cerebrais e nunca mais foi o mesmo.
"Esses
garotos precisam de mais ajuda do nosso governo quando voltam para casa do
campo de batalha", protestou o pai à época. "Esta não é a primeira
vez; esta não será a última vez."'
O
incidente e as estatísticas alimentam um debate que ganha relevância à medida
em que os veteranos da guerra do Iraque – que cumpre dez anos – e do
Afeganistão voltam para casa.
É
sabido que traumas típicos do campo de batalha, como concussões, lesões
cerebrais causadas por pancada direta, movimentos de líquidos internos e
mudança de pressão (gerada por exemplo, pela explosão de uma bomba), mesmo
traumas psicológicos podem ter efeito sobre a personalidade das pessoas
afetadas.
Em
janeiro, um estudo de janeiro do Instituto de Medicina da Academia Nacional de
Ciências americana diagnosticou nos veteranos das guerras do Iraque e do
Afeganistão os mesmos sintomas de uma já conhecida condição batizada de
Síndrome do Golfo, em referências aos soldados que lutaram na primeira guerra
contra o Iraque em 1991.
O
estudo calcula que entre 175 mil e 250 mil soldados, de um total de quase 700
mil que lutaram em 1991, experimentaram pelo menos seis meses de sintomas
crônicos como fadiga, mudança de humor e dificuldades cognitivas, problemas de
músculo e esqueleto, gastrointestinais, respiratórios e neurológicos.
Extrapolando
a estatística sobre a estimativa de que cerca de 2,5 milhões de soldados
americanos já passaram pelas duas guerras atuais, os especialistas já falam em
mais 600 mil veteranos com problemas mentais graves, que muitas vezes passam
desapercebidos.
Sofrendo
calado
Mas
apesar das manchetes causadas por incidentes como o que envolve o sargento
Dwight Smith, as principais vítimas da violência causada por ex-combatentes de
guerras são eles próprios.
Em
2010, ano para o qual as estatísticas estão mais completas, em média 22
veteranos tiraram a sua vida por dia – mais de três vezes a ocorrência no resto
da sociedade, estimou a agência do governo federal para os veteranos.
As
Forças Armadas oferecem serviços médicos, assistência e tratamento de síndrome
pós-traumática para os ex-combatentes, mas as entidades que defendem os
direitos dos veteranos se queixam da falta de recursos e condições.
Segundo
a ONG Veteranos do Iraque e do Afeganistão da América (IAVA), a maior organização
do tipo no país, 900 mil veteranos estão com pagamentos de benefícios
atrasados, cerca de 250 mil deles, por mais de um ano.
A
taxa de desemprego entre os ex-combatentes foi de 9,4% em fevereiro, acima do
desemprego geral. "Não estamos mantendo a nossa promessa de cuidar dos
nossos veteranos, e isto está virando uma desgraça nacional", escreveu em
um post o diretor da organização, Paul Rieckhoff.
"Eles
tomaram tiros e improvisaram abrigos em montanhas do Afeganistão, e agora são
eles que não conseguem arrumar trabalho?"
Trazendo
a guerra para casa
A
queixa não passou ao largo do governo do presidente Barack Obama que, apesar
dos cortes de gastos das agências federais, pediu ao Congresso um aumento de
40% no financiamento para a agência de veteranos este ano, totalizando US$ 140
bilhões.
O
presidente conseguiu aprovação no Congresso para uma legislação que concede
isenções fiscais às companhias que contratarem veteranos desempregados ou
deficientes.
E
com a ajuda da primeira-dama, Michelle Obama, e do vice-presidente, Joe Biden,
arregimentou 125 mil postos de trabalho no setor privado para veteranos ou seus
cônjuges no ano passado.
As
iniciativas têm por finalidade encerrar um círculo violento que, como mostram
os suicídios e os eventuais episódios de violência contra outros, não se
encerra para os veteranos quando a guerra acaba.
Em
fevereiro, um incidente com uma destas iniciativas voltou a recordar os
americanos da seriedade dos problemas mentais que atingem os soldados no
pós-guerra.
A
morte, a tiros, de um dos heróis da guerra do Iraque – o ex-fuzileiro das
forças especiais Seal da Marinha americana Chris Kyle – fez manchetes em um
país obcecado com suas conquistas militares.
Kyle,
apelidado de "o diabo de Ramadi", foi o autor de um livro no qual se
vangloria de ter matado 255 inimigos em quatro missões no Iraque – um recorde
nas Forças Armadas americanas.
O
relato entrou para as listas de mais vendidos e Kyle, alçado ao posto de
celebridade, chegou a apresentar um programa em que outras celebridades
simulavam operações militares.
Ele
e outro amigo, Chad Littlefield, foram mortos com vários tiros de pistola
semiautomática por outro veterano, Eddie Ray Routh, em um campo de tiros no
norte do Texas, a pouco mais de 150 km da capital, Austin.
Ativo
em uma fundação voltada para a reabilitação de ex-combatentes, o ex-atirador
tinha por hábito levar os veteranos com estresse pós-traumático para praticar
tiro como forma de fazê-los reacostumar-se com os barulhos de tiros sem
sobressaltar-se. O costume, embora não endossado pelo Pentágono, é comum entre
os soldados.
O
cortejo oficial em homenagem a Kyle, de mais de 300 quilômetros, e o enterro
com pompas militares foi um lembrete da guerra que acompanha muitos militares
mesmo quando eles deixam o campo de batalha.
Fonte:BBC
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