"Agressores diziam que só parariam quando eu cometesse suicídio". Jornalista que escreveu sobre machismo e misoginia na internet chegou a receber vermes de mosca e esterco pelos correios.
Nas últimas semanas, tenho recebido uma série de pacotes pelo correio, de todos os tamanhos e formas, vindos de todo tipo de destinatário, de grandes lojas a vendedores do Mercado Livre. Dentro deles, vêm brinquedos eróticos, esterco, vermes de mosca, livros para emagrecer, camisetas com montagens feitas a partir de fotos minhas, materiais de construção mais um monte de outras coisas que eu nem sei, já que durante um tempo resolvi recusá-los.
Queria que essa fosse uma história engraçada sobre estarem me confundindo com alguém, mas eles eram pra mim, mesmo, ainda que eu não tenha comprado nada daquilo. Esses pacotes estão sendo enviados pro meu endereço porque eu escrevi esse texto, sobre machismo e misoginia em espaços na web dedicados à discussão de cultura pop.
Sugiro que você leia o texto antes de continuar, mas vou fazer um TL;DR pra quem tá com preguiça: ele fala sobre como jovens alinhados com o estereótipo de nerd – socialmente inaptos, naturalmente curiosos – frequentam espaços de discussão na web em que a misoginia e o machismo são flagrantes e que, portanto, podem estar se transformando em máquinas de ódio. Mulheres, nesses espaços, não são sequer toleradas; em alguns casos, são chamadas como praxe de ‘depósitos’, um jeito curto de dizer ‘depósito de porra’.
Porque eu decidi escrever sobre isso (dentre as outras centenas de coisas sobre as quais eu escrevo, sendo freelancer) os anônimos do maior chan brasileiro – um chan é um fórum de imagens e discussões baseado no formato do 4chan – acharam e divulgaram meus dados pessoais, endereço, telefone, fotos, vídeos.
Fizeram montagens com o meu rosto, monitoraram meus passos usando serviços de localização em redes sociais e insinuaram que iriam nos mesmos lugares que eu para “calar a boca dessa vadia”, ameaçaram eu e minha família e até ensaiaram enviar coisas para os meus vizinhos.
Algumas mensagens chegaram a expressar claramente que o objetivo era não parar até que eu cometesse suicídio, como aconteceu com algumas meninas que passaram por algo parecido nos EUA.
Nem todos os usuários anônimos de um chan são criminosos ou pessoas horríveis, é claro. O mais importante, no entanto, é se dar conta que todos são pessoas comuns. Podem estar ao seu lado no metrô, ser seu colega de trabalho, seu namorado ou seu filho. E se muitos deles só estão ali pelo porn e pelo anime, uma outra parte também está acordada de madrugada planejando transformar a vida de alguém que escreveu um texto em um inferno.
E é por isso que o feminismo é tão necessário: porque é o machismo velado, aquele que é socialmente aceito e incentivado desde que a gente nasce, que planta em alguém os preconceitos necessários para que esse tipo de ódio floresça e seja alimentado por outros anônimos na internet.
Orientada por profissionais de defesa de liberdade de expressão e advogados, estou fora de casa por um tempo. O episódio me fez repensar questões profissionais e pessoais, morais e políticas, me fez pensar por quão pouco as pessoas estão dispostas a tentar calar opiniões diferentes, me fez questionar por um momento o anonimato na internet – continuo a favor dele, no entanto – mas, principalmente, me fez ver que eu estava indo pelo caminho certo.
Afinal, se você escreve que um grupo de pessoas é escroto com mulheres e esse grupo fica ofendido e revida sendo escroto com uma mulher, deve ser porque você cortou o fio certo da bomba.
Fonte: Ana Freitas, Brasil Post
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