quarta-feira, 9 de setembro de 2015

BRASIL: O INDIVIDUALISMO LESA DIREITOS SOCIAIS E AMBIENTAIS


O direito de propriedade cria tantos problemas que os países onde ele impera tentam reconhecê-lo apenas quando cumpre uma função social

“O poder do indivíduo” é o título de um artigo publicado no jornal Zero Hora, no dia em que se celebra a independência (?) do Brasil, assinado pelo advogado Michel Gralha. Qualificando o momento que vive o país como difícil, enumera direitos coletivos suprimidos, segurança e sistemas de saúde em colapso, o ente público falido, indicando como saída para esses problemas “deixarmos de esperar o “grupo” e agirmos individualmente. Se queremos melhores condições, temos de dar valor para quem realmente pode mudar o país: o indivíduo.”

Mais do que difícil, é impossível aceitar essa receita. Bem ao contrário dela, a ética mais elementar, a lei por menos aberta que seja aos direitos sociais, as religiões e crenças, todas têm uma característica comum: acautelar-se contra o individualismo. Fazem-no conhecendo o seu passado e o seu presente de egoísmo, ganância, autoritarismo, arbitrariedade, indiferença em relação às necessidades alheias, às desigualdades inerentes à pobreza e à miséria.

O seu maior defeito é o seu poder de criar injustiça. Com raras exceções, por nem enxergar a/o próxima/o, a sua conduta deixa de abusar do interesse próprio, doa a quem doer. Quando esse é econômico, então, a violação do direito alheio costuma se vestir de legal, na base da “liberdade de iniciativa”. Enganar, mentir, fraudar, isso tudo passa a inspirar formas disfarçadas de ameaçar ou violar o direito alheio, seja o individual seja o coletivo.

O direito de propriedade, por exemplo, seguramente o mais individual e o mais importante do sistema capitalista, com garantias e efeitos bem superiores ao direito à vida, como Norberto Bobbio provou em seu “A era dos direitos”, cria tantos problemas para a humanidade toda, que os países onde ele impera tentam reconhecê-lo apenas quando cumpre uma função social. Assim o fazem, especificamente, a Constituição brasileira, o Estatuto da Terra e o da Cidade, entre outras leis. 

A sua força econômica passa incólume por tudo isso, coberta pela dita liberdade de iniciativa. Ao mínimo sinal de ele ser ameaçado, quando até a exploração do trabalho escravo, escondida por essa liberdade pode ser detectada - como aqui se tem denunciado mais de uma vez - seus defensores não acham que essa liberdade precise de melhor detalhamento e conceituação legal. Para eles, quem precisa disso é, justamente, a vítima dessa liberdade de iniciativa, no caso, o trabalho escravo... 

Comparado assim o poder individual do direito de propriedade com os dos direitos sociais, é evidente a desproporção da desigualdade em seu favor. Sua função social, com ralo reflexo na realidade, serve mais para legitimar a própria lei do que reprimir as disfunções do seu exercício.

A encíclica “laudato Si”, do Papa Francisco, pode responder ao artigo do Dr.Gralha, analisando precisamente o sentimento mais nobre da pessoa humana, praticamente esquecido pelo articulista. Ao sustentar a ecologia integral, como forma de se defender e preservar a vida, ele mostra como a casa comum, por ele assim denominada a terra, primária condição de vida, depende do respeito devido, igualmente, a um bem comum, próprio de um “amor social”:

“O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor. O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade que toca não só as relações entre os indivíduos, mas também as macrorelações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos. Por isso, a Igreja propôs ao mundo o ideal de uma “civilização do amor”, O amor social é a chave para um desenvolvimento autêntico. Para tornar a sociedade mais humana, mais digna da pessoa, é necessário valorizar o amor na vida social - nos planos político, econômico, cultural - fazendo dele a norma constante e suprema do agir.” {...} “Desta forma cuida-se do mundo e da qualidade de vida dos mais pobres, com um sentido de solidariedade que é, ao mesmo tempo, consciência de habitar em uma casa comum que Deus nos confiou.”

É bem pouco provável que até não crentes discordem disso, mas é quase certo que um/a individualista, se não às claras, para não ser visto como desumano/a, reservaria um juízo de tranquila surdez para esse apelo.

Não é o indivíduo que vai mudar o mundo como prega o Dr. Gralha. O “cada um por si e Deus por todos”, inerente à cultura ideológica individualista e privatista do interesse próprio capitalista, não tem mais como se justificar. Se assim ainda o faz, ignora tanto quem seja Deus quanto quem sejam todas/os.


Fonte: Carta Maior

Segue o link do Canal no YouTube e o Blog
Gostaria de adicionar uma sugestão, colabore com o NÃO QUESTIONE

Este Blog tem finalidade informativa. Sendo assim, em plena vigência do Estado Democrático de Direito, exercita-se das prerrogativas constantes dos incisos IV e IX, do artigo 5º, da Constituição Federal. Relembrando os referidos textos constitucionais, verifica-se: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (inciso IV) e "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (inciso IX). As imagens contidas nesse blog foram retiradas da Internet. Caso os autores ou detentores dos direitos das mesmas se sintam lesados, favor entrar em contato.

Nenhum comentário:

Postar um comentário