A primeira igreja rastafári do Brasil
está vazia. Seu fundador, Ras Geraldinho --designação religiosa de Geraldo
Antônio Baptista, 53,-- deve passar os próximos 14 anos preso por tráfico de
drogas.
A sentença é resultado dos 37 pés de
maconha --que o líder rastafári diz plantar para uso religioso-- encontrados
pela Guarda Municipal de Americana em agosto de 2012 na sede da igreja, numa
chácara da cidade a 127 km de SP.
Namorada de Ras Geraldinho, Marlene
Martim, 50, diz estar perplexa com a decisão tomada pela Justiça neste mês.
"A pena é maior do que para muitos assassinatos, estupros,
sequestros", afirma.
Os guardas chegaram ao templo após
deter dois jovens com maconha e vasos para o plantio da cânabis. Segundo o
processo, eles indicaram a chácara como origem da droga.
Marlene nega. "Eles vieram aqui,
contaram sobre a viagem que um deles fez, ficaram um tempo e foram
embora."
Para Mauro Chaiben, um dos advogados de
Ras Geraldinho, a condenação do líder rastafári vai contra as liberdades de
consciência e religiosa, garantidas na Constituição.
"Tráfico pressupõe lucro,
dinheiro, presença de armas, balanças de precisão, mas nada disso foi
apresentado", diz.
A invasão à chácara no ano passado foi
a terceira desde 2010. "Eles não tinham mandado, como em todas as outras
vezes, e o Geraldo abriu a porta", diz Samir Gabriel Martim, 25, enteado
do líder religioso.
Na sentença, o juiz Eugênio Augusto
Clementi Júnior também determina a perda do imóvel, que deve ser transferido à
União. "Sabíamos que o Ras seria condenado, pois os moradores de Americana
conhecem a atuação rigorosa do juiz. Porém não tínhamos noção de que ele seria
tão cruel", diz Marlene.
"Houve preconceito, intolerância
religiosa e um conservadorismo que não enxergou os ventos que sopram no mundo
na questão da descriminalização da cânabis."
O advogado cita trechos da sentença em
que o juiz afirma que "se ele [Ras Geraldinho] quisesse seguir a religião
deveria ir morar na Jamaica".
Para Daniela Skromov, coordenadora do
Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, a decisão
"vai na contramão de toda a discussão mais contemporânea sobre o
assunto."
Segundo ela, os 14 anos a que Ras
Geraldinho foi condenado excedem o normal. "Nunca vi uma pena dessa para
tráfico. Muitas vezes, o cultivo é uma opção da pessoa para não aderir ao
tráfico", diz.
Não é o que pensa o jurista Ives Gandra
Martins. Para ele, a alegação que a maconha seria usada em rituais da igreja
não pode ser considerada. "Quando se fala de liberdade religiosa, se fala
em religiões clássicas, em que existem critérios e valores a serem
adotados", afirma.
ATIVISMO
Com fala pausada, Ras Geraldinho é
capaz de passar horas falando das propriedades medicinais da maconha e do
rastafarianismo -religião que nasceu na Jamaica no início do século 20 e que
usa a palavra Jah em referência a Deus.
Em entrevista à Folha, em
2011, pouco após a segunda invasão de sua igreja, ele afirmava que seguiria na
luta pelo uso religioso da maconha.
Marlene diz o mesmo. "O juiz quis
dar um recado para o ativismo canábico com essa condenação estapafúrdia e
acabou nos punindo. Vamos até as últimas instâncias, com mais e mais
'soldados'."
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