Protestos que reuniram 50 mil pessoas em várias capitais reiteraram visão de que há um genocídio da população negra. Em São Paulo, três mil participaram de ato na Avenida Paulista e cobraram soluções.
“O racismo é internacional. A gente quer mudar o mundo. Enquanto o homem negro e a mulher negra não alcançar a sua condição humana, ninguém será livre. Então, pelo fim do racismo: Segunda Marcha Internacional contra o Genocídio do Povo Negro. Porque são várias formas de nos matar. Há várias formas de resistir também”, quem discursa no microfone ligado ao carro de som é Beatriz Lourenço 22 anos, moradora do Aricanduva, zona leste de São Paulo, e integrante com coletivo Levante Popular da Juventude.
Na sexta-feira (22), diversos coletivos do movimento negro e de direitos humanos ocuparam o vão livre do Masp, tomaram duas faixas da Avenida Paulista e caminharam até o Teatro Municipal para evidenciar, em um dos estados mais conservadores do Brasil, o continuo genocídio da população pobre e negra. Segundo a Polícia Militar, cerca de 3 mil pessoas participaram do ato. Em todo o país, foram 50 mil pessoas, segundo cálculo da agência de notícias AfroPress, que contabilizou manifestações expressivas também em Salvador, Rio de Janeiro, Brasília, Vitória, Belo Horizonte, Porto Alegre e Manaus.
Do início ao fim, quem puxava a multidão em São Paulo, composta em sua maioria por jovens, eram mulheres que se fizeram discursos e cantaram músicas que abordavam desde questões ligadas à liberdade até críticas diretas à policia. “Ela é injusta. Ela é racista. Ela mata. Ela é a polícia. É militar, GCM ou civil, recebem ordem do Estado pra matar com o fuzil.”
Muitas pessoas de movimentos que atuam na periferia da cidade ajudaram a compor a marcha, que seguiu pacífica, sem incidentes. Para o jovem Pedro Lucas, 18 anos, de Taboão da Serra, uma nova mobilização foi fundamental, diante do cenário em que vivem os jovens da periferia. “Esta marcha é de extrema importância para população periférica, pois há anos e anos estão sofrendo com a repressão da polícia. E temos que continuar, pois, infelizmente, isso não vai parar amanhã”, lamenta.
Alguns fatos internacionais também foram evidenciados com faixas. Dois deles por muitos movimentos: os ataques contra os palestinos, “as armas de Israel que matam Palestinos são as mesmas que exterminam negras e negros no Brasil! Dilma rompa relações com Israel”; e a morte do jovem negro Mike Brown por um policial em uma cidade dos Estados Unidos, “Somos todos Mike Brown. Juventude nas ruas. Pelo fim das polícias”.
Do Brasil foram expostos o caso de Amarildo, desparecido após ser abordado por policiais em uma UPP na favela da Rocinha; de Cláudia Ferreira, arrastada por uma viatura, depois de ter sido baleada por policiais, e de Rafael Braga, preso em uma manifestação. Os três casos ocorreram no estado do Rio de Janeiro.
O artista plástico Nivaldo Medeiros, 32 anos, morador de Itapecerica da Serra, segurava uma pintura, feita por ele, que retrata a prática da ação da Polícia Militar, um jovem negro caído tentando se defender de um tiro com a bandeira do Brasil. Medeiros diz que já passou por situações de opressão por ser negro e por se indignar com o modus operandi da PM na periferia. “Já tomei um tapa na cara, pois contestei por que eles estavam me abordando daquela forma tão agressiva.” Para ele, se indignar é a única forma de não aceitar esta prática de repressão. “Acho que não tem um jovem negro que não tenha passado por uma situação de repressão policial. Isso [a Marcha] serve para mostrar que estamos vivos. Muitos jovens estão morrendo na sua melhor idade, no momento mais produtivo da vida.”
O que o artista plástico afirma dialoga com a realidade. Segundo o Mapa da Violência 2014, 100 em cada 100 mil pessoas com idade entre 19 e 26 anos morreram de forma violenta em 2012 – ano sangrento na periferia de São Paulo. Negros são os principais alvos: morreram proporcionalmente 146, 5 mais de negros que brancos em 2012.
Para Beatriz Lourenço, a marcha mostra que houve um avanço desta pauta em um dos estados mais conservadores do país. “Há três anos, quando a gente discutia a violência policial, encontrávamos menos ‘eco’ nas ruas. Acho que isso é uma vitória do movimento negro. Isso é importante, porque as pessoas estão começando a acreditar que a violência policial é muito grave. A máscara da policia de fato vem caindo. A sociedade, de uma maneira geral, não só o movimento negro, não só a esquerda, vem notando que a policia é muita violenta. As balas perdidas não são perdidas. Elas são direcionadas para a mesma cor de pele, a mesma classe social."
Mesmo com um avanço significativo, ela afirma que ainda falta muito para atingir o objetivo dos movimentos, a desmilitarização da polícia. Contudo, ressalta que para começar uma mudança é necessário ter “uma corregedoria independente, com espaço para a sociedade civil, e que apure os crimes cometidos pela PM”.
Fonte: Rede Brasil Atual
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