quinta-feira, 3 de setembro de 2015

BRASIL: 2° ENERA VEM PARA REABRIR OS CIRCUITOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO


Em artigo, a professora da UnB Clarice dos Santos, diz que o 2° ENERA deve celebrar a jornada percorrida e seguir denunciando as desigualdades e iniquidades profundas que persistem no campo.

Em preparação ao 2° Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (ENERA), que acontecerá entre os dias 21 a 25/09, em Luziânia (GO), a Página do MST traz uma série de entrevistas, reportagens e artigos sobre experiências da Educação do Campo, o atual cenário educacional do país e os desafios que se anunciam sobre este debate. 

Por Clarice Aparecida dos Santos*
Especial à Página do MST

Nosso mestre Florestan Fernandes afirmava que “os circuitos da história não se abrem nem se fecham para sempre. São os homens em grupos, e confrontando-se como classes em conflito, que abrem ou fecham os circuitos da história”.

Em 1997, quando da realização do 1 ENERA, vivíamos os auspícios do neoliberalismo no Brasil, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. Circuito fechado na história. A ferro e fogo, literalmente, os camponeses ousaram confrontar a capacidade hegemônica do capital no campo brasileiro, com fortes movimentos de ocupação de terras, em luta por Reforma Agrária, por reabrir os circuitos da história, anunciada então como finda.

Os massacres de Corumbiara e Carajás, entre tantos outros episódios sangrentos de reação conservadora, foram a resposta do capital representada nos governos de Rondônia e do Pará, respectivamente.

Um movimento camponês, o Movimento Sem Terra, ousou protagonizar a abertura deste circuito, também na educação, e decidiu reunir seus educadores no 1° ENERA, para mostrar ao país a (falta de) educação que (não) se ofertava aos camponeses, mas ao mesmo tempo sua capacidade organizativa em organizar os espaços educacionais nos acampamentos e assentamentos país afora.

E graças à sua capacidade de buscar os aliados à sua causa, e aproveitar-se da abertura histórica para elevar o tema à condição de agenda política para o Estado brasileiro por um Brasil sem latifúndio, também na educação. Mas não só.

A força daquele 1° Encontro permitiu que se ampliassem as forças em luta para organizar a 1° Conferência Nacional de Educação Básica do Campo. Assim, podemos afirmar que o movimento da Educação do Campo é tributário direto daquela primeira iniciativa dos Sem Terra. Daí para a frente, abriram-se os circuitos também nas políticas públicas, com a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), em 1998, e a partir da 2° Conferência Nacional de Educação do Campo, os Programas Saberes da Terra e a Licenciatura em Educação do Campo.

Nesses 18 anos, apesar do Estado, da burocracia e da reação conservadora e os meios de difusão de suas ideias, mais de 200 mil camponeses foram escolarizados; milhares se formaram em alguma carreira do magistério; dezenas de cursos de Licenciatura em Educação do Campo estão acontecendo nas universidades país afora; em mais de 60 universidades há algum tipo de ação desenvolvida com os/as trabalhadores/as, e muitas delas já abriram linhas de Pesquisa específica na Pós-graduação sobre os temas que interessam ao povo do campo.

Porém, persistem ainda os mecanismos que impedem os/as trabalhadores de usufruírem do direito à educação: a maior taxa de analfabetismo é dos/as camponeses, e o processo ininterrupto de fechamento das escolas denunciam essa realidade, assim como persistem os mecanismos que impedem a abertura dos circuitos que possam remover essa cerca historicamente instituída.

Tão ou mais grave é o avanço do agronegócio e de suas agências sobre as escolas existentes e/ou conquistadas pelos trabalhadores, no intuito de roubá-los no seu projeto.

O 2° ENERA se organiza no exato momento em que novamente convivemos com tentativas de fechar os circuitos abertos, vindas de parte daqueles mesmos que haviam fechado, nas décadas anteriores.

O 2° ENERA seus educadores e educadoras do campo vem para reavivar em nossa memória que as desigualdades educacionais persistem e que a política educacional hegemônica pouco os reconhece.

Que fomos capazes de fazer com que o Estado abrisse ou reabrisse escolas para nossas crianças; Que fomos capazes de mover uma parcela, ainda que mínima do Estado, para o projeto educacional dos camponeses; Que fomos capazes de criar um forte movimento de afirmação do direito do povo do campo à educação. Do campo; Que hoje mobiliza camponeses, professores, universidades, intelectuais e algumas parcelas de governos;

Que fomos capazes de criar uma Pedagogia da Terra; Que fomos capazes de criar tecnologia de formação humana; Que fomos capazes de criar um projeto de educação antagônico ao capital e antagônico ao agronegócio; Que fomos capazes de colocar a questão da educação dos/as camponeses/as na pauta política da Nação brasileira; Que fomos capazes de resistir às diversas ofensivas de criminalização dos cursos superiores dos/as camponeses/as;

Que fomos capazes de resistir à duas CPI’s que buscaram criminalizar e interromper essas ações; Porque o que fizemos, o fizemos com os camponeses, como um projeto de classe e de Nação;

E daqui para a frente nunca mais a história e seus livros poderão omitir essa quadra da história em que os homens e as mulheres do campo enfrentaram o latifúndio da educação, com as ferramentas de trabalhar a terra e com as ferramentas de educar.

Por essas razões, o 2° ENERA carrega em si grande responsabilidade, porque já os/as camponeses se deram conta das grandes tarefas que o presente lhes reserva também na educação.

O 2° ENERA deve celebrar a jornada percorrida, mas seguirá denunciando as desigualdades e iniquidades profundas que persistem, para anunciar que o que fomos capazes de realizar até aqui, nos deu a certeza, as ferramentas e a energia necessária para impedir que os circuitos se fechem. Impedir que se fechem significa seguir lutando para que se alarguem os circuitos da história.

* Professora da Licenciatura em Educação do Campo – FUP/UnB e membro do Forum Nacional de Educação do Campo – FONEC.


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