O local escolhido por Zhu Ruifeng para o encontro com a Folha no centro de Pequim, um café com mesas
separadas por grossas cortinas, lembra o cenário de um filme de espionagem.
"Eu costumava marcar em
outro lugar, mas o governo descobriu e passou a vigiar meus encontros",
conta o jornalista independente.
Há poucos meses, Zhu, 43, virou
celebridade na China --e uma pedra no sapato do governo-- após divulgar o vídeo
de um chefão do Partido Comunista fazendo sexo com uma amante de 18 anos.
O vídeo --e outros divulgados
na sequência-- acabou revelando um esquema de suborno na cidade de Chongqing
(sul) e levaram à demissão de 12 autoridades.
A fama rendeu a Zhu várias
visitas da polícia, bloqueios constantes de seu site e mais de um milhão de
seguidores no popular microblog Weibo, versão chinesa do Twitter.
Alguns jornais estrangeiros
chegaram a chamá-lo de "Julian Assange chinês", numa referência ao
fundador do site WikiLeaks.
Zhu rejeita a comparação.
"Sou apenas um jornalista. Talvez eu pareça diferente porque toda a
imprensa serve de porta-voz do governo."
Ele vê com ironia o fato de o
americano Edward Snowden ter buscado refúgio justamente em Hong Kong,
território sob domínio da China, após revelar um programa secreto de espionagem
do governo dos EUA.
"Para mim Snowden é um
herói", diz Zhu. "Mas foi um erro ele achar que estaria protegido em
Hong Kong."
Embora funcione sob forte
restrição, a internet na China permite um fluxo de informação que seria
impossível há alguns anos.
Com o auxílio de tecnologias capazes de driblar a censura, os
"netizens" (cidadãos da rede, na expressão em inglês), como Zhu,
tornaram-se uma alternativa à imprensa oficialista do país.
Para Zhu, a censura é medida de
sobrevivência. "Se a internet e a imprensa fossem livres, o governo não
duraria nem um dia", acredita. "Para ser franco, o Partido
(Comunista) provavelmente seria destruído."
Para monitorar um universo de
quase 560 milhões de internautas, o governo mobiliza um verdadeiro Exército. Só
para vigiar o Weibo, a estimativa é de 4.000 censores.
Os usuários de internet criaram
uma linguagem própria para evitar cair na vigilância do governo. Palavras
sensíveis, que acionam o radar eletrônico da censura, são substituídas, diz o
estudante de jornalismo e blogueiro Zhang Zhongdi, 23.
"Em vez de escrever 4 de
junho (início dos protestos antigo verno na praça da Paz Celestial, em 1989),
coloco 35 de maio. Jiang Zemin (ex-presidente) vira imperador aposentado",
conta. "Aos poucos os truques vão sendo descobertos e criamos
outros".
Mas há quem defenda o controle
da internet. Li Hong, presidente da Associação de Controle de Armas e
Desarmamento da China, acha que há um exagero nas críticas à censura.
"Trata-se de uma nova mídia, e é preciso regulação para evitar o
caos", diz. Para Li, o caso Snowden comprova que a China, frequentemente
acusada pelos EUA de patrocinar ataques cibernéticos, é, na verdade, uma vítima
da prática.
Com o controle restrito do
Estado, quem ousa pular a muralha da censura sabe que corre riscos. Zhu diz não
se importar: "Quarenta e nove funcionários corruptos foram punidos graças
ao que fiz. Mesmo que me matem, minha vida já valeu a pena."
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