Os colegas e amigos do repórter fotográfico da agência internacional de notícias Rossiya Segodnya, que foi morto na Ucrânia, recordam-no como um verdadeiro profissional que a um trabalho rotineiro no escritório preferia fotografar os pontos quentes. Foi ele próprio que escolheu a perigosa profissão de fotógrafo de guerra – para registrar acontecimentos históricos que cilindram as vidas de pessoas comuns.
Stenin partiu em maio deste ano para fazer cobertura do conflito na Ucrânia, transmitindo diariamente dezenas de fotografias para a redação. Ele deixou de entrar em contato a 5 de agosto. Em finais de agosto, entre os automóveis bombardeados e queimados na estrada entre Snezhnoe e Dmitrovka, foi descoberto um Renault Logan com os corpos de três pessoas. A peritagem forense determinou que um deles pertencia a Stenin.
Não conseguia ficar parado
Em Slavyansk Stenin partilhava o quarto de hotel com Dmitri Steshin, outro amigo dele, que também era repórter do jornal Komsomolskaya Pravda. Este recolheu-o de um edifício bombardeado, onde Andrei arrendava um apartamento e já não havia mais ninguém, além dele.
“Nós vivíamos em harmonia. Viajávamos juntos em serviço, víamos filmes, ouvíamos música. Depois eu regressei e nunca pensei que o via pela última vez. Eu deixei-lhe um queimador a gás para que ele se pudesse entreter com um chá. Era visível sua tristeza por ficar sozinho”, recorda Steshin. “Eu regressei a Moscou e nós comunicávamos por escrito todos os dias. Ele contava coisas horríveis, se percebia que a situação era muito má. Para um jornalista era muito difícil trabalhar aqui. Mas ele não conseguia ficar parado.”
Stenin não conseguia realmente ficar parado: antes de Slavyansk ele esteve na Síria, na Faixa de Gaza, nas barricadas e acampamentos de barracas no Maidan, no Egito, na Líbia, no Quirguistão e na Turquia. Quando Stenin não estava viajando em trabalho, ele fotografava comícios não autorizados e processos criminais, situações de emergência e distúrbios de rua.
O correspondente especial da agência de notícias Rossiya Segodnya Mikhail Voskresensky contou ter realmente conhecido Stenin durante sua última viagem de trabalho à Ucrânia. Segundo Voskresensky, Stenin chamava logo a atenção por sua intransigência em relação às reportagens fotográficas, ele não conseguia simplesmente “fazer tempo” e executar um trabalho estandardizado (se é que as reportagens de guerra podem alguma vez ser “estandardizadas”), ele sempre queria o máximo e mesmo um pouco mais.
Houve esperança até ao fim
Stenin esteve quase três meses no distrito de Donetsk. Ele filmou as consequências dos bombardeios de artilharia em cidades e povoados no leste da Ucrânia: incêndios e destruição de casas, hospitais, vendas, supermercados, igrejas, civis e crianças feridos e o enterro dos mortos.
A objetiva de Stenin também apanhava o cotidiano dos milicianos: as trincheiras, as cozinhas de campanha, o casamento de um miliciano e o gatinho da frente de combate.
Andrei Stenin foi um dos primeiros a chegar ao local da queda do avião de passageiros Boeing 777 malaio perto da cidade de Shakhtersk, transmitindo do local as fotografias dos destroços do avião e dos corpos das vítimas.
Andrei enviou suas últimas fotografias para a redação em 5 de agosto. Essas fotos mostram habitantes de Shakhtersk que aguardam o fim de um bombardeio de artilharia na entrada de um prédio de habitação, as consequências dos bombardeios da cidade e uma estátua de Lenin danificada por estilhaços.
No dia 7 de agosto a agência Rossiya Segodnya informou que Andrei Stenin deixou de comunicar.
As últimas notícias referiam que eles e dois correspondentes de guerra do site das milícias Informatsionny Korpus (Corpo Informativo) seguiram numa viatura Renault Logan de cor azul para as cidades de Shakhtersk e Snezhnoe, a leste de Donetsk. No dia 6 de agosto eles foram vistos no Estado-Maior das milícias em Snezhnoe, eles tinham partido para o povoado de Dmitrovka na fronteira com a Rússia. Nessa altura um dos acompanhantes de Stenin telefonou a sua esposa. Depois disso, os três deixaram de contatar os colegas por terem os telefones sem cobertura de rede.
“O problema é que foi precisamente nessa altura que a Guarda Nacional ucraniana começou uma ofensiva nessa região. Eles cortaram o acesso de Dmitrovka a Snezhnoe e estabeleceram aí posições fortificadas”, explicou o correspondente da Lifenews Semion Pegov, amigo de Stenin. “Até ao último momento nós tínhamos esperança que os rapazes tiveram tempo de atravessar para Dmitrovka e que estão aí cercados.”
Contudo, em meados de agosto o cerco foi rompido e a Guarda Nacional retirou. Soubemos que Stenin e seus colegas não apareceram em Dmitrovka. Mas surgiu outra informação: tendo ocupado uma elevação entre Snezhnoe e Dmitrovka, a Guarda Nacional disparava contra todos os automóveis que passavam, receando que os milicianos os atacassem ou saíssem do cerco disfarçados de civis.
“Nessa região nós encontramos no dia 20 de agosto cerca de quinze carros, incluindo um Renault Logan carbonizado com três corpos. Sem uma peritagem de DNA era impossível identifica-los: dos corpos sobraram apenas montes de cinzas e ossos calcinados”, recorda Pegov.
O fato de se tratar precisamente de Stenin era sugerido por várias circunstâncias: o tempo e o local da morte dos ocupantes da viatura e as duas objetivas profissionais queimadas encontradas na mala do carro. Por perto estava uma camisa italiana de marca, parecida com as que Stenin usava. A camisa tinha as mangas arregaçadas, os amigos de Stenin recordavam que ele tinha esse hábito.
Os amigos e colegas de Stenin tiveram esperanças, até ao último momento, que ele estivesse vivo. Isso também foi alimentado por declarações do lado ucraniano, mas estas foram rapidamente desmentidas. O Ministério dos Assuntos Internos da Ucrânia produziu em 11 de agosto um comunicado sobre o desaparecimento do jornalista. No dia seguinte as autoridades ucranianas declararam, pela primeira vez, que conheciam o destino de Stenin: o conselheiro do Ministério dos Assuntos Internos da Ucrânia Anton Geraschenko anunciou em entrevista à rádio letã Baltkom que o fotógrafo tinha sido detido pelos serviços secretos ucranianos e que era suspeito de “cumplicidade com terroristas”. Mais tarde Geraschenko declarou que tinha sido “mal interpretado”: ele apenas supunha que Stenin tinha sido detido, mas não possuía uma informação precisa.
O diretor-geral da Rossiya Segodnya Dmitri Kiselev explicou que os mediadores ucranianos ofereceram à agência a possibilidade de negociar a troca de Stenin, dando a entender que ele estava vivo. “A nossa agência foi contatada por mediadores do lado ucraniano propondo iniciar negociações para sua troca, dando a entender que Stenin estava vivo”, disse Kiselev, tendo também recordado que Geraschenko desmentiu suas próprias palavras.
A peritagem de DNA confirmou as piores suspeitas.
“Como ele era? Era um profissional sólido e fiável na sua estreita especialização. Era calado e dava pouco nas vistas no cotidiano da redação. Muitos acabaram por não chegar a compreendê-lo. Ele abandonou-nos com seu mistério. Abandonou-nos para sempre. Ele deixou-nos fotografias de valor incalculável com a crônica histórica do início do século XXI, cujo valor será definido pelo tempo. Essas fotografias são documentos dos crimes de um poder criminoso e incompetente contra seu próprio povo, contra nossos irmãos e irmãs, da história comum e dos sofrimentos e vitórias comuns”, recorda o repórter fotográfico especial da agência Rossiya Segodnia Vladimir Vyatkin.
O repórter fotográfico especial da Rossiya Segodnia Evgueni Biyatov recorda assim o seu colega: “Eu não convivi muito com ele. Normalmente só em trabalho, quando era preciso transmitir alguma coisa, antes das reportagens. Uma vez nós devíamos fotografar um comício. Eu fui para a cabeça da manifestação, virei a cabeça e vi o Andrei junto a mim. Nós trocamos umas frases, eu distraí-me um pouco e quando virei outra vez a cabeça ele já tinha desaparecido. Olhei em redor, mas não consegui descobri-lo. Talvez tenha sido precisamente essa capacidade que lhe permitia tirar fotos que depois frequentemente me intrigaram, e eu não conseguia perceber como ele conseguia trabalhar em condições em que os outros eram impedidos de trabalhar, em locais a que os outros não tinham acesso, já para não falar das muitas situações de perigo”, disse Biyatov.
Ele só vivia a sério debaixo de fogo
Na opinião do fotógrafo da Rossiya Segodnya Vladimir Astapkovich é precisamente de pessoas como Stenin que se diz que a eles se pode confiar a própria vida. “É uma pessoa com quem percebes que em qualquer situação tens a retaguarda protegida. Recordo como hoje um dos primeiros comícios não-autorizados realizado em Moscou. A multidão, a polícia, todos correm, empurram. Você corre como os outros, é empurrado, quase cai. Mas de repente alguém lhe agarra o braço por trás e não lhe deixa cair. É o Andrei. A seguir vocês já correm juntos. Uma pausa curta para fumar um cigarro, uma troca de frases, e depois continuas a trabalhar”, conta Astapkovich.
“Parecia que Andrei só vivia verdadeiramente lá – debaixo de fogo, com os estrondos dos bombardeios – na guerra. Aqui, em Moscou, ele parecia se aborrecer e na primeira oportunidade viajava para mais um ponto quente de onde trazia suas fotografias”, recorda a editora fotográfica Ekaterina Novikova. “Todos nós sabíamos que quando era necessário Stenin largava tudo e num instante estava de partida para onde os editores quisessem enviá-lo, de dia ou de noite, isso não importava.”
Segundo disse outra colega de Stenin, Natalia Seliverstova, as pessoas como ele merecem respeito: pela inteligência sóbria e pelo sangue-frio em quaisquer circunstâncias, o que é especialmente importante para o trabalho de um fotógrafo. “Ele é um dos poucos repórteres fotográficos que estava disposto a arriscar sua vida em pontos quentes. Era muito fácil e confortável trabalhar com ele, ele era um excelente amigo e companheiro”, considera Seliverstova.
“Ele era uma pessoa que pensava, ele sentia e compreendia de uma forma muito precisa não apenas a situação política, mas também as emoções das pessoas. Isso ajudava-o a trabalhar. Eu não direi que ele fosse muito comunicativo, nós perdíamo-lo constantemente em todo o lado, por isso agora eu também estive convencido até ao fim que ele iria aparecer. Mas ele também era muito bondoso e era um bom companheiro. Sempre se podia confiar nele”, recorda correspondente da Komsomolskaya Pravda Alexander Kots.
“A objetiva de Andrei estava apontada a acontecimentos aos quais nem todos teriam coragem de assistir. Em suas fotos as pessoas viam a realidade da guerra. Agora nós apenas podemos lamentar a sua morte e partilhar a dor de seus próximos. Matar um repórter fotográfico é como tirar os olhos à sociedade”, diz Vitali Belousov, fotógrafo da Rossiya Segodnya.
“As viagens para zonas de guerra esgotam sempre as forças e energia interior. Andrei realizou nos últimos anos mais que suficientes”, diz o fotógrafo da Rossiya Segodnya Valeri Melnikov. “Nas reportagens fotográficas de guerra é muito importante um contato próximo, praticamente pessoal, com os acontecimentos e com os intervenientes. Sem isso elas são impossíveis.
“Andrei se aproximou da guerra tanto quanto era possível.
Fonte: Voz da Rússia
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