A humilhação não poderia ser maior para uma união política de mais de três séculos outrora a dominar um terço da humanidade. Numerosos cidadãos do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte orgulham-se até hoje do tempo em que o sol nunca se punha no ex-império. Essas gloriosas memórias serão anuviadas no referendo em 18 de setembro, quando os escoceses responderão “Yes” ou “No” a uma simples pergunta: “A Escócia deveria ser um país independente?”
O páreo entre as campanhas separatista Yes Scotland e a unionista Better Together está embolado. Segundo a última pesquisa de intenção de voto realizada pela Survation, o resultado será de 53% para o “No” ante 47% ao “Yes”. Já o Instituto YouGov revela uma vitória da Yes Scotland, com 51%. Caso o Sim se confirme, como garante Alex Salmond, primeiro-ministro da Escócia e líder do Partido Nacional, Edimburgo deixará de integrar Reino Unido. O reinado ainda contará com a Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte. Inquieta, Elizabeth II não parece achar graça quando Salmond diz ser ela bem-vinda como rainha dos escoceses. O golpe será tão duro quanto o da criação da República da Irlanda, em 1922.
Na quinta-feira 11, o premier aproveitou a comemoração de 17 anos da devolução de maiores poderes fiscais e legais de Londres ao Parlamento escocês (até então inativo desde 1707), para defender sua campanha: “Mais uma vez, um governo em Westminster não eleito por nós reivindicou o direito de impor políticas e uma ideologia que não aceitamos. Antes eles nos ameaçam. Agora nos fazem promessas”.
Salmond referia-se às campanhas do premier conservador David Cameron, seu vice liberal-democrata Nick Clegg e o líder da oposição Trabalhista, Ed Miliband. Os três foram à Escócia avisar: se a população votasse contra o divórcio, o governo central transferiria ainda maiores poderes para Edimburgo. O líder da campanha separatista propôs até financiar as visitas dos líderes britânicos. Certamente o 1,7 milhão de dólares doados à campanha Better Together por J.K. Rowling, a criadora de Harry Potter, deve ter bancado essas despesas.
Antes das campanhas unionistas, como lembrou Salmond, os senhores ingleses martelaram somente os pontos negativos de um divórcio. Não aceitariam, por exemplo, a manutenção da libra esterlina pela Escócia, que prefere a moeda britânica ao euro ou a outra opção. Cita os exemplos de uniões monetárias como a da Bélgica e Luxemburgo, que possuem as mesmas moedas em comunidades onde são aplicadas diferentes políticas fiscais. Ao manter a libra como moeda de uma Escócia independente, alega Westminster, o atual governo escocês abrirá mão de delinear sua política monetária e terá pouca margem de manobra em termos de finanças públicas.
Salmond sustenta fazer parte da União Europeia por ter entrado no bloco europeu juntamente com o Reino Unido. William Hague, o ministro britânico do Exterior, diz que um novo país europeu precisa satisfazer todos os requisitos para integrar o bloco. Além disso, somente o Reino Unido e a Dinamarca têm cláusulas que lhes permitem usar diferentes moedas. Outro obstáculo é Mariano Rajoy, o premier espanhol. Artur Mas, presidente catalão, quer organizar um referendo pela secessão da Catalunha. Rajoy considera o referendo ilegal. Em consequência, o primeiro-ministro espanhol evoca o artigo 49, segundo o qual todos os integrantes devem votar para a admissão de outro país na União Europeia. Por tabela, rejeita a Escócia na UE.
Contrário a armas nucleares na Escócia, Salmond quer se desfazer dos quatro submarinos armados com mísseis Trident, que serão substituídos por três em 2020. Outro tema espinhoso, visto que os submarinos se encontram na Base Naval de Clyde, oeste da Escócia. Na área econômica, mais uma desavença: para Cameron, a exploração de petróleo no Mar do Norte é uma empreitada da Grã-Bretanha, e Edimburgo precisa da tecnologia britânica. Westminster sustenta ainda que a receita de petróleo será inferior àquela prevista pelo separatista para a Escócia, “um dos países mais ricos do mundo”. O líder escocês quer criar um fundo com um décimo da receita do petróleo, que tornará seu país uma espécie de Noruega com sistema político social-democrata.
A inclinação esquerdista dos escoceses tem raízes na desindustrialização, quando estaleiros e siderúrgicas fecharam e deixaram milhares sem emprego. Magaret Thatcher foi um desastre. Em seguida, vieram os trabalhistas neoliberais como Tony Blair, o escocês responsável pela “devolution” de 1997. Segundo o ativista George Monbiot, “13 anos de governos trabalhistas trouxeram mais desigualdade do que 18 anos conservadores”. Isso explica o desdém de Salmond pelas promessas de Miliband.
O trabalhista inglês alega que basta votar contra a independência em 18 de setembro e em seu partido nas eleições legislativas britânicas de maio de 2015. Na verdade, ele sabe que uma debandada de 41 deputados escoceses a ocupar cadeiras de trabalhistas ante apenas um conservador em Westminster significaria a derrota de sua legenda no próximo ano. No caso da vitória da Yes Scotland, o país se tornaria independente apenas a partir de março de 2016. Seria possível uma postergação do pleito em Westminster. Juristas constitucionais rejeitam essa alternativa.
Por sua vez, Salmond forneceu fantasias de pandas aos integrantes de sua campanha. A razão: há mais pandas no zoológico de Edimburgo, dois, do que deputados em Westminster, um. De qualquer forma, Cameron poderá ser o primeiro-ministro britânico que tornou a Escócia independente.
Fonte: Carta Capital
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