Reuniões secretas e documentos vazados colocam o novo acordo como
herdeiro direto de projetos nada democráticos, como SOPA, ACTA e CISPA.
Todos aqueles que prezam pela liberdade na internet celebraram a derrota
de iniciativas como ACTA, SOPA e CISPA, as duas primeiras nos Estados Unidos e
a terceira na Europa.
Muitas manifestações e protestos depois, tudo indicava que a ameaça
sinistra de um “Estado policial” na web havia sido vencida.
Mas a paz não durou muito tempo. Entre os dias 15 e 24 de maio, Lima,
capital do Peru, será palco para encontro a portas fechadas entre
representantes de governo de nove países. O tema da reunião é a Parceria Transpacífica,
ou TPP (sigla em inglês para Trans-Pacific Partnership).
Oficialmente, a parceria é um acordo econômico internacional — mas ela
pode significar bem mais do que isso. O material vazado na web sobre o tema
traz um capítulo exclusivo sobre a propriedade intelectual e indica uma forte
ameaça à liberdade na internet nos países signatários, o que gerou uma série de
suspeitas em todo o mundo.
Nada de transparência
A Electronic Frontier Foundation (EFF), organização sem fins lucrativos
sediada na Califórnia, Estados Unidos, que se propõe a proteger as liberdades
civis na internet, levantou alguns pontos em relação à TPP. Ela define a
parceria como “um acordo comercial secreto multinacional que ameaça estender
leis restritivas de propriedade intelectual pelo mundo e reescrever regras
internacionais para sua aplicação”.
O pouco que se sabe a respeito do acordo veio a público por meio de
documentos vazados na web. O processo de elaboração da TPP vem sendo levado a
cabo ao longo de encontros secretos nos quais nem público nem imprensa têm
acesso, aumentando ainda mais a desconfiança em relação aos termos do acordo.
Vigiar e punir
Um dos itens mais graves apontados pela EFF é a questão de regras sobre
direitos autorais tratada na TPP. Nenhum documento oficial foi divulgado, mas
um texto datado de fevereiro de 2011 vazou recentemente e deixou todos em
alerta. A EFF acusa o governo dos EUA de impor regras que restringem a
liberdade na web em nome do combate à pirataria.
Se a Parceria Transpacífica for implementada, os países signatários obrigariam
os provedores de internet a monitorar as atividades de seus usuários na web.
Além disso, as companhias seriam obrigadas também a bloquear o acesso a páginas
em que é possível encontrar conteúdo pirata, forçando as empresas inclusive a
divulgar a identidade de quem acessou tal material.
A TPP trata, inclusive, da adoção de medidas criminais contra quem
pirateia qualquer conteúdo na web, mesmo que sem fins comerciais. Além disso,
um usuário flagrado com pirataria poderia, segundo a parceria, ser alvo de uma
medida de resposta graduada (“three strikes”), tendo o seu direito à conexão
com a web suspenso.
Ameaça à liberdade de expressão
Além da questão da espionagem, a ameaça à liberdade de expressão na web
é outro fantasma ressuscitado pela TPP. A EFF garante que, segundo o material
vazado na internet, os provedores deveriam notificar um usuário sobre o uso de
um conteúdo ilegal, retirando-o do ar.
Isso tudo deve se tornar economicamente insustentável para os
provedores, o que acabaria por encarecer o uso da internet. “Ao oferecer
plataformas grátis ou de baixo custo que permitem a todos alcançarem a
audiência de milhões, os provedores de internet democratizaram a mídia e
possibilitaram que ideias se espalhassem rapidamente, sem os porteiros da mídia
tradicional”, garante a EFF.
Além disso, qualquer material acusado de ser pirata poderia ser retirado
do ar imediatamente, antes mesmo de comprovada a sua ilegalidade — abrindo
margem para a violação do direito básico de liberdade de expressão.
Restrições de direitos autorais
Os termos relacionados a direitos autorais da TPP ainda trazem outros
pontos obscuros, como tratar cópias temporárias de qualquer material sem a
autorização dos detentores dos direitos autorais como violação desses direitos.
Uma proposta de criminalização da cópia temporária já foi rejeitada por uma
cúpula de países em 1996.
Ingerência estrangeira
Além dos EUA, a TPP é composta por outros 11 países: Canadá, Chile,
México, Peru, Vietnam, Singapura, Japão, Brunei, Malásia, Austrália e Nova
Zelândia. Além de ameaçar a liberdade na rede e criminalizar praticamente
qualquer tipo de cópia na web, a EFF acusa a parceria de ingerência em assuntos
e legislações próprias.
“Essas leis não são apenas ruins em políticas públicas, mas têm o
potencial de colidir com a soberania nacional impondo, através de um processo
não transparente, mudanças significativas nas leis existentes”, garante a
entidade.
Exemplo disso é o caso das travas digitais. O acordo determina que os
países signatários não devem agir para eliminar a restrição de região presente
em mídias físicas, como discos de filme e de jogos. Com isso, países como a
Austrália e Nova Zelândia teriam que rever suas leis de direitos autorais,
aprovadas em 2007 e 2008, que eliminam codificação de região em DVDs de filme,
jogos eletrônicos e reprodutores de mídia.
A EFF elaborou um infográfico (em inglês) fazendo um resumo da Parceria
Transpacífica e suas ameaças à liberdade e à criatividade na internet.
Durante a reunião realizada em fevereiro de 2011, no Chile, grupos organizados
da sociedade civil solicitaram aos participantes do encontro que o debate em
torno da parceria se tornasse público, o que não foi atendido.
Somando isso às iniciativas mais recentes do parlamento dos Estados
Unidos e de outros órgãos do governo, como o desejo do FBI de
espionar usuários da grande rede em tempo real, o que fica é a impressão de que
o cerco em torno de uma web livre está se fechando cada vez mais.
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