A perda de popularidade da presidente argentina Cristina Kirchner, refletida nas urnas no último domingo, é um desalento para vários governos latino-americanos.
Quando se tenta todo o tempo despistar a população dos problemas graves, transformar realizações obrigatórias em feitos heroicos, criar mecanismos de perpetuação no poder com roupagem democrática e, até para sustentar tudo isso, eleger os críticos como inimigos, um dia a fatura é apresentada pela população.
Não importa agora qual foi o país que começou, mas esse receituário seguido na Argentina viceja em vários outros, da Nicarágua aos amigos da Venezuela, Equador, Bolívia e, numa escala mais comedida, no Brasil. Cuba nem entra na lista porque quem quiser exercer um mínimo de cidadania tem que fugir da ilha – por enquanto.
Não à toa, os mais prósperos, ou os que caminham para isso, da grande região abaixo do Rio Grande, estão longe daquela turma. México, Chile, Colômbia, Peru, Costa Rica e até o Uruguai do simpático socialista José ‘Pepe’ Mujica fazem a sua parte e não dão a mínima para aquelas tonteriasdos demais.
O espelho argentino (para os amigos de discursos enfáticos e grandiloquentes em rede nacional), depois de 10 anos de kirchnerismo – começou com Néstor (2003-2007) e continua com a esposa – foi sendo construído aos poucos, até ficar mais evidente nos tempos de Cristina.
Mas, no dia 27, as urnas começaram a mostrar que a sucessão de truques políticos e econômicos está chegando ao limite. A consequência mais flagrante do espaço conquistado pela oposição – um desalento para Cristina e presidentes afins e auspicioso aos seus cidadãos – foi que a possibilidade de mudança da Constituição, empurrando um terceiro mandato goela abaixo do povo, foi praticamente abortada.
Se a Frente pela Vitória (FpV), sublegenda do peronismo kirchenerista, mais os aliados de outras siglas, tivessem conquistados dois terços do Congresso na eleição que renovou metade da Câmara e um terço do Senado, a presidente estaria com certeza no palanque em 2015. Na marra, embora viesse negando.
Os 32% dos votos conquistados lhe dão uma maioria muito apertada. E como o instinto de sobrevivência dos políticos típicos fala mais alto, na medida em que a carruagem for andando com o esvaziamento do capital da chefe da Casa Rosada, as defeções vão emagrecer mais o apoio das bases.
A maior sombra do governo daqui em diante será Sergio Massa, ex-aliado, que liderou a Frente Renovadora (FR), sublegenda do peronismo dissidente. Obteve 44% dos votos, 12% a mais que a FpV sozinha. E levou também em várias cidades da Grande Buenos Aires – capital já governada por outro oposicionista, Maurício Macri – antigos redutos dos Kirchner. Ao todo, as oposições somaram 68% dos votos nacionais.
Nem na Província de Santa Cruz, terra da família que comanda a Argentina há uma década, o apelo ao apoio aos patrícios deu resultado. Mesmo com o controle do Judiciário e dos meios de comunicação, há 22 anos, quando Néstor Kirchener foi eleito governador em 1991. A vitória da oposição foi marcante. Serviu até para ressuscitar a velha rival e desacreditada União Cívica Radical (UCR), principal vencedora.
Ao todo, as oposições somaram 68% dos votos nacionais.
Até que chegasse a isso, o receituário que subestimou os eleitores pareceu, em certo momento, que daria certo.
- A inflação oficial é no mínimo a metade da inflação medida pelo mercado, consultorias e inclusive sindicatos de colorido peronista. Em 12 meses, até setembro, o governo anunciou alta de 10,5%, mas o consumidor que paga a conta sente algo como 25%. A ‘maquiagem” vem desde janeiro 2007, quando o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) sofreu intervenção na sua liberdade institucional. É tão deslavada a mentira que o governo vinha mantendo um congelamento de preços de 500 produtos, mas que com o fracasso foi diminuído para menos itens.
- O Produto Interno Bruto (PIB) é outro indicador desenhado pela conveniência política do Indec de hoje. De 2007 a 2012, a soma das riquezas do país teria tido crescimento ‘chinês’ de 30%, mas foi metade disso por qualquer estudo independente e sério feito, da Universidade de Buenos Aires a de Harvard. No ano passado, o governo anunciou 2,2%, mas os outros levantamentos apontaram queda de 0,4%. No primeiro semestre deste ano o desempenho apontado pelo órgão estatal foi de 5,1%.
- Está tudo tão bem que o dólar dispara. Baixas reservas internacionais e falta de crédito da comunidade financeira mundial dão escassez à moeda, elevando os custos em geral. O governo tentou de tudo. O corralitoinstituído antes da Era Kirchner foi turbinado, com controlo total de transação em dólares em um país acostumado a usar a moeda americana como proteção. Até turistas em viagem ao exterior têm um limite. Os importadores, por exemplo, têm que exportar US$ 1 para cada US$ 1 importado. Mandar dólares ao exterior, inclusive legalmente, está sob ameaça de devassa fiscal. Agora o governo está tentando amenizar a falta de recursos, oferecendo a anistia para as empresas que quiserem repatriar para auxiliar nos investimentos da petroleira YPF (re-estatizada à força das mãos dos espanhóis). Todos eles são alguns dos inimigos elegíveis.
- Semanas antes das eleições de outubro, Cristina Kirchner anunciou planos de elevar gastos com os programas sociais em 16,8 bilhões de pesos, pouco mais de US$ 3,1 bilhões. Total: 41 bilhões de pesos. Tudo em rede nacional de rádio e televisão. Ninguém duvida dessa louvável ação, o problema é combinar com a população sem emprego (com o PIB real que não ajuda) e que paga mais no consumo do que a publicidade oficial faz crer.
- O governo avança sobre os meios de comunicação, distribuindo verba oficial. Em 2012, foram quase 2 bilhões de pesos, uma ninharia perto do que gasta o governo no Brasil, mas uma fortuna para a Argentina. Praticamente ‘comprou’ 80% dos meios de comunicação, que rezam na mesma cartilha. Ao mesmo tempo, a imprensa inimiga tem queda na receita publicitária em 81% em 2013, já que os grandes anunciantes, como os supermercadistas, sofrem pressão do “Índice de Censura Moreno”, nome irônico das proibições impostas pelo todo-poderoso secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, para que não façam anúncios.
- A mesma imprensa inimiga, especialmente na capital federal, sofreu novo golpe. Depois de várias ameaças de intervenção, nomeadamente no Grupo Clarín, agora com o beneplácito da Corte Suprema foi aprovada ontem a Lei de Mídia, após quatro anos de batalha. Alguns vão ter que vender ativos e as licenças serão distribuídas aos amigos. É tão escancarada a tentativa de calar os críticos, que as TVs estatais terão alcance de 100% sobre o território, enquanto as comerciais transmitirão no máximo a 35%. Não precisa dizer mais nada, se também, em paralelo não houvesse a ameaça de expropriar a Papel Prensa, empresa que produz 90% do papel que roda nos jornais do país, e de propriedade dividida entre alguns grupos e o próprio Estado.
Essa lista, onde ainda entram casos de corrupção e enriquecimento de correligionários, poderia sem muito esforço ser atribuída à “companheirada” latino-americana no poder. Alguns se superam e outros ensaiam bastante.
Cristina Kirchner pode virar o jogo novamente, com tamanha força bruta. Mas o seu desalento é maior do que pode vir a ser para os demais presidentes: à população argentina não se lhe tira um bocado de superioridade educacional e cultural em relação às outras, que começa a se traduzir nas urnas mais cedo.
Fonte: Voz da Rússia
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