Anatoli Brusilovsky é um artista plástico, escritor, mestre de colagem e assemblage. A primeira sessão de body art, realizada no estúdio do artista em Moscou, foi documentada pela revista italiana Expresso em dezembro de 1969. O conhecido mestre da fotografia registrou a galeria ímpar de retratos de ativistas do não-conformismo russo – "Panteão do Underground Russo". É autor de uma coleção de joias, objetos de arte ímpares, expostas pela primeira vez na Suíça, na Galerie Gmurzynska, em 2006 (http://www.gmurzynska.com)
Anatoli Brusilovsky (http://www.anatolbrusilov.com) falou à Voz da Rússia sobre a primeira obra de body artno mundo, o cinema de vanguarda e sua liberdade no regime totalitário:
– Eu sempre me dediquei a algo relacionado com a criação, com a vida livre. Para mim o símbolo da existência normal sempre foi a palavra “liberdade”. A liberdade total, na medida em que isso era possível e na medida em que era impossível.
Dir-se-ia: de que liberdade se poderia falar com o regime soviético? Eu não podia viajar ao exterior, não podia comprar uma casa ou um carro, apesar de ganhar bastante bem com o trabalho honesto de artista. A partir de meados dos anos 50 eu me dediquei à colagem durante alguns anos, trabalhei com diferentes editoras, ilustrei centenas de livros e revistas.
Posteriormente cheguei ao mundo do cinema, fui convidado para ser o artista plástico principal de um filme em que, num curto espaço de tempo, não mais de meia hora, deveria ser refletida toda a história da Rússia. Eu criei uma colagem em movimento, na qual os elementos iriam se mover no espaço, contrair-se, estender-se, disparar, passar de um para outro. Assim, em 1970 nasceu o filme “A Nossa Marcha” que recebeu 42 prêmios internacionais. Foi o primeiro filme varioscópico para cinema no mundo: dez e cem vezes mais heróis do que numa cena habitual do cinema.
Recentemente este filme foi restaurado e exibido novamente em Moscou e alguns espectadores disseram: “Meu Deus, nós tínhamos esquecido de que na época soviética ocorreram tais saltos surpreendentes para o futuro! Não tendo computador, nem qualquer técnica digital, nem câmera de vídeo, nada!”
Ano de 1969, inverno. Alguns amigos vieram-me visitar e disseram: Um famoso fotógrafo italiano veio a Moscou pela primeira vez. Ele viaja por toda parte e mostra aos italianos uns enredos surpreendentes. O italiano veio à União Soviética e mostram a ele somente camponesas e operários. Ele precisa de uma explosão, de ver coisas diferentes. Uma das revistas mais conhecidas da Itália, com a qual o fotógrafo colaborava, esperava fotografias do país inexplorado. O italiano chamava-se Caio Mario Garrubba. Eu o acalmei dizendo que tudo daria certo.
Eu comecei a refletir logicamente. “O que existe na Rússia que não existe em todo o mundo? Aas mulheres russas! Era o meu tema preferido. É verdade que mostrar mulheres não é uma grande descoberta. Mas eu sou um artista plástico! A Mulher se junta ao Artista e resulta em arte na mulher. Vou desenhar um quadro em um corpo feminino!
Caio Mario Garrubba veio e eu convidei uma das manequins moscovitas mais famosas. A moça era de uma beleza incrível! Todos se apaixonaram imediatamente por ela, abriram a boca, ela tirou a roupa e eu peguei a paleta com tintas e comecei a desenhar nela. Sendo que meu quadro podia sorrir, conversar e mover-se. A descoberta foi grandiosa. Foi a primeira experiência de body art no mundo. Eu próprio me surpreendi com o quanto era incrível. Tanto para mim, como para Caio Mario foi um verdadeiro êxtase! O fotógrafo ficou impressionado com a novidade inesperada.
Ele partiu e já em dezembro de 1969 meus conhecidos na embaixada da Itália trouxeram-me a revista. Contaram que os italianos estavam encantados, achavam a Rússia, as pessoas e a arte, tudo muito interessante. Eu levantei o prestígio do país!
Mas a revista não tem apenas fotografias, mas também textos. Eu e Garrubba não podíamos prever que na redação publicariam debaixo da foto um poema proibido na URSS e na capa a modelo pintada por mim e o título: “Sobre as cinzas de Stalin”. No Kremlin qualificaram esta publicação de “subversão ideológica”. Mas a onda dabody art já corria pelo mundo, começaram até mesmo a ser criadas academias. Publicaram muitos livros em que me chamavam de patriarca desse movimento.
Eu nunca viajava ao exterior, mas no entanto realizaram-se mais de 50 exposições em todo o mundo, houve catálogos e artigos sobre mim. Eu tinha uma vida normal de artista plástico livre, num país livre. Era impossível acreditar nisto.
Chegou a Perestroika e uma enorme quantidade de meus colegas e conhecidos foram para o exterior. Se eu quisesse teria ido também, eu já tinha uma biografia de criação bastante boa. Mas eu nunca quis deixar a Rússia, eu gosto muito e sempre gostei da Rússia.
Em 1987 eu fui a Paris e passei um ano lá. Para mim foi uma saída do apartamento fechado para o ar livre. E mesmo assim não foi emigração. Vivi em Paris gozando a vida, porque vendi muitos trabalhos. Os amigos franceses levaram-me por todo o país e procuraram mostrar-me tudo. Voltei a Moscou com muitas impressões. Então começaram a chegar outros convites. Eu passei a viajar e a voltar. Assim se passaram vários anos. Eu era feliz porque podia voltar!
Quando eu cheguei à Alemanha, logo caí num círculo de pessoas ligadas à arte, que me diziam o tempo todo: “Agora você está na Alemanha e deve fazer uma biografia alemã, estudar os gostos, a vida, para se tornar um artista alemão”. A isto eu sempre respondo: “Eu sou artista plástico russo e orgulho-me disto!"
Eu vivo na Alemanha já há 23 anos. Mantive sempre o passaporte russo. Eu trabalho em duas casas e regresso sempre a Moscou. Esta circunstância facilita a vida muito.
Fonte: Voz da Rússia
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