Mais de 25 mil crianças são removidas anualmente de pais, a maioria das quais não cometeram crimes, e entre os quais estão mães brasileiras. Por Gianni Carta
Newcastle, norte da Inglaterra, 13 de novembro de 2013. A brasileira Luci Vieira da Costa, 40 anos, recebeu a visita da assistente social Alison Dodds. Trazia más notícias. Luci, que tinha cinco dias para deixar sua casa, perderia a guarda das duas filhas para os serviços sociais. Dodds entregou a Luci um documento para assinar, a seção 20 do Ato das Crianças no Reino Unido. Tratava-se de um contrato pelo qual Luci entregaria a custódia total de Kalindi Robson da Costa, de 2 anos, e de Krishna Gouri Portugal, de 12. Ambas poderiam ser colocadas para adoção. Sem tempo para consultar um advogado, Luci hesitou. Como Dodds sabia que ela ficaria sem teto dentro de cinco dias? Pior: ela ficaria sem as filhas. Luci, paulista de Mogi das Cruzes, recusou-se a assinar o documento. Residia no Reino Unido havia 14 anos e conhecia o suficiente as autoridades britânicas, a esconder um jogo duplo debaixo da máscara cordial.
Inflexível, Dodds disse que se Luci recusasse a assinatura chamaria a polícia. Assim, suas filhas seriam levadas de qualquer jeito, mas de uma forma no mínimo mais truculenta. Luci, que é Hare Krishna, cedeu com esperança de haver alguma veracidade na seguinte promessa de Dodds: ao se instalar em uma nova casa, ela teria de volta as filhas, ambas de pais diferentes, o primeiro alemão, o segundo britânico. “Duas semanas depois”, diz Luci a CartaCapital, “consegui uma casa”. E as filhas? Ficaram onde estavam, isto é, sob a “proteção” da assistência social. “Fiquei acabada, perdi 50 quilos em um mês”, diz Luci. O caso de uma mulher de 1,65 metro que pesava 90 quilos após o parto de Kalindi Robson, a sofrer uma queda para 40 quilos inquietaria médicos brasileiros. Mas no UK nada disso parece ter surtido efeito. “Aqui no Reino Unido não existe a mínima preocupação com o destino dos estrangeiros e seus filhos”, me diz uma fonte britânica que presta serviço ao governo. Luci foi mais uma vítima de um sistema de adoção forçada sistemática, mercado, o único na Europa, a movimentar 2 bilhões de libras anuais.
Por vezes, esses casos envolvem britânicos de classes sociais mais altas. Foi o caso de Victoria Haigh, que agora vive em Paris com a segunda filha, Sapphire. A mãe, jóquei campeã e treinadora de cavalos, agora com 43 anos, vivia com a filha, identificada como X, até 2010 na Grã-Bretanha. Foi então considerada incapaz de criar a filha pelo pai apoiado pelo sistema judiciário. Isso porque Haigh havia dito que o pai da menina, David Tune, abusava da filha. Ao perder a guarda de X, Victoria contestou o sistema jurídico britânico. Grave ofensa à Justiça do UK, que cuidou de se precaver. Resultado: a filha voltou ao pai, Tune. Victoria tentou se aproximar da filha em um estacionamento. Resultado: condenada a três anos de prisão em dezembro de 2011. Ficou nove meses.
Foi presa novamente quando convidou X para o batizado de sua meia-irmã, mas foi solta em maio do ano passado. “Quando fiquei grávida de Sapphire, fugi para a República da Irlanda e agora minha filha irlandesa e eu vivemos em Paris”, conta Haigh. Ela garante que o marido é pedófilo e abusou da primeira filha. “Mas não causa problemas para o sistema como eu”, acrescenta a treinadora de cavalos, que diz ter vergonha de ser britânica. Desse esquema mafioso fazem parte juízes, advogados, psiquiatras e, é óbvio, assistentes sociais. Segundo Ian Josephs, da Forced Adoption (ver entrevista), “mais de 25 mil crianças são removidas anualmente de pais britânicos, a maioria dos quais não cometeram crimes”. Significativa fatia das crianças é colocada para adoção, parte mais lucrativa desse sistema de “adoção forçada”, terminologia criada por Josephs. Acrescenta: “Numerosas instituições são ruins, cada ano 10 mil crianças desaparecem no UK, e o número dos que morrem é altíssimo”. Há, como sustenta a fonte britânica próxima ao governo, clubes de pedófilos que se aproveitam dessas crianças “desaparecidas”.
Pergunto a Josephs a respeito. Ele diz não poder dar detalhes atualmente. Recorda, porém, que quando era conselheiro municipal, nos anos 1960, trabalhou no caso de uma mãe que perdeu um filho para a assistência social. O menino, de 12 anos, com QI de 150, ou seja, elevadíssimo, estava recluso em uma escola interna quatro vezes mais cara do que Eton, a escola privada de maior prestígio. Ali pedófilos não escasseavam. Josephs indagou ao menino se a escola era boa. “Péssima”, retrucou. Há algo de positivo? “Sim, ganho dinheiro, e bastante.” Como? “Dormindo com os professores.”
No site de Josephs, vemos outros casos semelhantes ao de Luci. Mais: ele orienta pais e oferece seu contato para ajuda financeira para fugir do UK. Mães e pais podem ter falhas, diz Josephs, mas a maioria não merece ser separada dos filhos. Esses filhos são, como me diz a fonte do governo, “colocados para adoção como cachorros e gatos”. Houve o recente caso da italiana Alessandra Pacchieri, então com 33 anos. No verão de 2012, ela foi a Londres e fez um teste para ser aeromoça da companhia aérea Ryanair. Estava grávida. Passou no teste. Alessandra é bipolar. Segundo os diários, começou a ter ataques de pânico e ligou para os serviços sociais. Foi forçada a uma cesariana e os serviços sociais ficaram com a filha, visto que ela tinha, segundo seus psiquiatras, problemas mentais e não teria condições de criar uma criança. Pacchieri, agora fora do UK, não pode mais ver seu bebê.
Segundo o diário italiano Il Fatto Quotidiano, o caso engatilhou uma batalha legal entre a Itália e o Reino Unido. Pacchieri, que havia parado de tomar os remédios para não afetar a filha, indicou uma tia americana para tomar conta da criança. Mas certamente a criança permanecerá na Grã-Bretanha. Josephs indaga: “Por que isso não acontece na Itália, na França e em outros países?” Simples, retruca a fonte do governo: “Italianos tratam as pessoas de forma humana”.
Luci não foi tratada de forma humana por um sistema que usa o pretenso comportamento “politicamente correto”, como sublinha Josephs, “para se apropriar de bebês e colocá-los para adoção”. Houve, vale lembrar, o caso de um brasileiro, Edygleison Martins dos Santos, que em 2006, aos 3 anos, ficou retido na Inglaterra. Motivo: seus pais foram acusados de espancá-lo. Na verdade, ele tinha manchas no corpo e seu nariz sangrava porque ele padecia de uma baixa contagem de plaquetas e da síndrome de Wiscott-Aldrich. Os pais foram conseguiram fugir para não serem presos. Deixaram o filho com um tio. Um ano mais tarde, os britânicos descobriram que o menino estava doente e precisava de um transplante de medula óssea e o mandaram de volta ao Brasil. Aos 5 anos, em 2008, Edygleison, morreu de parada cardíaca no Hospital das Clínicas de Curitiba. Outro caso, de uma brasileira que pede anonimato, corre nos tribunais britânicos. Ela usou heroína esporadicamente, está grávida, mas perderá o bebê se não conseguir um familiar para tomar conta do recém-nascido.
Quanto a Luci, a mãe mogiana de Kalindi e Krishna, ela só pode ver as filhas duas vezes por semana. E cada vez durante uma hora sob supervisão de assistentes sociais. Quando chora, as assistentes escrevem relatórios sublinhando sua instabilidade emocional. Idem se ela chora na caterva de audiências nos tribunais, como quando soube, e era uma mentira para fazê-la chorar, logo antes de uma audiência, que sua caçula estava doente. Os relatórios positivos de três assistentes sociais feitos sobre Luci foram descartados. Só valem os relatórios redigidos pela assistente Dodds e outras depois da remoção das crianças. Krishna ficará, segundo um julgamento em agosto, com uma família de acolhida até os 18 anos. Luci enviou cartas da menina aCartaCapital. Nestas, ela diz querer voltar para a mãe. O caso de Kalindi será julgado em janeiro. No meio tempo, Luci vive em aperto. Precisa, inclusive, de 10 mil libras para despesas dos processos judiciais para impedir a adoção das filhas. Talvez assim poderá provar como o sistema britânico não passa de um engodo.
Fonte: Carta Capital
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