sexta-feira, 1 de novembro de 2013

QUANDO UMA ESTÁTUA CONTINUA A DESTRUIR AMIZADES


"Um membro da Tcheka deve ter a cabeça fria, o coração quente e as mãos limpas." Estas palavras pertencem a Felix Dzerzhinsky, criador da polícia política soviética Tcheka, mais tarde chamada NKVD e depois KGB.

Quando recentemente eu soube que a estátua de Felix Dzerzhnsky, arrancada do pedestal em agosto de 1991, irá ser restaurada e possivelmente voltar a ser colocada na praça Lubyanka de Moscou, não pude deixar de comentar esta notícia simbólica com os meus amigos no Facebook, quase todos ex-estudantes na URSS na década de 80.

Neste grupo restrito de antigos colegas, o tema deu origem a uma discussão de tal maneira inflamada que, por pouco, não resultou em amizades rompidas e ameaças mútuas.

Teria sido Dzerzhinsky o grande comunista revolucionário, o defensor da revolução de 1917, o combatente contra os reacionários e contrarrevolucionários na guerra civil russa, ou teria, pelo contrário, sido o mais cruel carrasco do “terror vermelho”, culpado da prisão e assassinato de dezenas de milhares de pessoas apenas pela razão de pertencerem a outras classes e se oporem ao bolchevismo?

“Felix Dzerzhinsky foi um dos mais ativos revolucionários, fundador da Tcheca e dos órgãos repressivos (…) Ele era de origem polaca e o seu sonho de criança era ser invisível e matar quantos mais russos melhor, coisa que ele próprio reconheceu. O seu sonho foi plenamente realizado. Ele era dependente da droga mas justificava o vício com a necessidade de manter “a energia revolucionária”. Não se pode falar sequer de qualquer legalidade ou justiça. É uma figura tão repugnante que os polacos tentam por todos os meios e formas não serem associados com ele. Eles têm vergonha de este monstro pertencer ao seu povo e, por isso, o seu nome nunca é referido nos manuais de História”, escreve Yuri Bondarenko, publicista russo, presidente da Fundação Retorno.

Voltando à discussão desencadeada entre os meus ex-colegas portugueses, alguns dos quais comunistas, o confronto de ideias mais não fez que separar-nos, cada um para seu lado da “barricada”.

Manuel Rocha, músico, escreve sobre o monumento ao “Felix de Ferro”:

“Ele que regresse, e depressa. Foi ele o responsável por tirar os meninos das ruas de Moscou de 1917, dar-lhes comida e educação. Uma revolução humanista vale sempre a pena, e Dzerzhinsky era um humanista. A Rússia precisa de repor as estátuas, mas também as ideias socialistas. …. Não se trata de contabilizar mortos, trata-se de medir a importância dos atos nos processos históricos em que se integraram e se tornaram figuras históricas.”

Luís Santos, também ex-estudante na União Soviética, tem uma opinião totalmente contrária e pergunta: “Na URSS, e de forma mais lata relativamente a Dzerzhinsky, foram praticados atropelos à democracia e à liberdade? Esses atropelos eram continuados ou episódicos? Foram praticados à luz de um bem maior ou de alguma forma desculpáveis? Aumentaram ou diminuíram ao longo dos 70 anos de história da URSS? Se existiram, que papel teve o Partido Comunista da União Soviética? Se existiram, em que medida foram responsáveis pelo desmoronamento da URSS?”

Pedro Franco, engenheiro, afirma: “A junção dos partidos com o Estado tem um propósito – o poder pelo poder. Convém lembrar que na URSS essa junção se iniciou com um senhor chamado Stalin. Ou alguém tem dúvidas? Ou seja, praticamente nem houve Leninismo. Houve sim, um senhor que usurpou, por conveniência pessoal, esse desígnio e quase sempre erradamente. E os outros que lhe seguiram serviram-se do mesmo pote. E nem o tão badalado culto de personalidade serviu para analisar, autocriticar, e alterar o que quer que seja. Por terras de ‘Sua Majestade’ estava tudo bem! Cá, (no Partido Comunista Português) criticou-se o culto da personalidade, sim, mas não houve coragem de ir mais além e avaliar os processos, os métodos, as políticas que sustentaram o Stalinismo. Tenho pena!”

Parece, pois, que a guerra civil russa, não obstante ter sido tantas vezes sepultada, continua viva, quer entre os próprios russos, quer entre os inúmeros estudantes estrangeiros que passaram pela Rússia nas últimas décadas.

Fonte: Voz da Rússia

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