A quantidade de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, spray de pimenta e de bombas de “efeito moral” disparadas nos protestos de junho do ano passado em São Paulo são uma informação secreta de acordo com a Polícia Militar do estado.
Em resposta a um pedido de acesso à informação feito pelo sociólogo Pablo Ortellado, a PM afirmou que elas foram usadas “em número necessário e suficiente” para cada protesto. “Revelar tais quantidades, ou o quanto de sua carga foi utilizada em determinada ação de controle de distúrbios civis, implica, necessariamente, em expor estratégias de segurança, capacidade de ação e reação (…) que acabariam por descortinar questões diretamente ligadas à capacidade da instituição para cumprir sua missão constitucional e prover segurança aos cidadãos,” diz a corporação.
Para a PM, estes dados devem ficar restritos por 15 anos. A corporação entende que os números tratam de informação relativa ao “planejamento e execução de operações de inteligência policial” que, segundo uma portaria da própria PM, se encaixam no maior prazo de sigilo da lei de acesso à informação.
Em sua resposta, a polícia ainda afirma que “tal cuidado no trato com a guarda dessas informações não deve ser confundido com a intenção de ocultar condutas de policias militares durante as ações”. Segundo a PM, todos os casos de abusos dos oficias estão sendo feito com uma “apuração interna por meio de inquérito policial militar”.
Respostas da PM contradizem depoimentos
A PM não respondeu outros questionamentos de Ortellado, como a quantidade de manifestantes feridos e a tipificação dos delitos. Ela alega que não é sua competência fazê-lo.
A policia também não especificou o custo da operação, sob o argumento de que “isso envolve complicados cálculos, pois há que se levar em conta inúmeras variáveis como salários, DPI, uniformes, armamento, munição, etc, todos já previstos nos investimentos e no custeio de segurança pública”.
A resposta da Polícia Militar também contradiz depoimentos e a ação de policiais. Na resposta, a PM diz que “não houve detenção para averiguação” e que “todos os detidos praticaram fatos imputados como crimes e/ou contravenções”. Mas manifestantes foram presos por portar máscaras, bandeiras e vinagre, sem ter tido nenhum crime ou contravenção imputada.
Falas de policias na época também contradizem a resposta da PM. Em depoimento gravado pela defensora pública Daniela Skrumov naquele dia, o tenente-coronel Ben Hur Junqueira Neto disse que estava efetuando “prisões por averiguação".
Este tipo de prisão não existe na Constituição. De acordo com seu artigo quinto, "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente".
As estimativas da PM da quantidade de manifestantes também são alvo de questionamento. O maior protesto do ano passado, na segunda-feira 17 de junho, teve 30 mil pessoas segundo a PM. As contagens dos órgãos de imprensa chegavam a centenas de milhares de manifestantes e algumas foram consideradas subestimadas por movimentos sociais. O efetivo policial variou entre 102 policiais militares, no primeiro protesto, até 663 naquela segunda-feira, ainda de acordo com a resposta da PM.
Ortellado fez seu pedido em 4 de julho do ano passado, pelo sistema de acesso à informação do governo do estado. Seu pedido consistia em nove perguntas objetivas sobre os protestos contra o aumento da passagem de ônibus em São Paulo.
Apesar do prazo para atendimento de pedidos de acesso à informação ser de 20 dias, prorrogáveis por mais 10, Ortellado só começou a receber informações em dezembro.
Neste período, fez uma série de recursos diante das suas perguntas sem respostas, recebendo mensagens como “TENHA PACIÊNCIA E ENTENDA QUE A POLÍCIA MILITAR ESTÁ SEMPRE ABERTA AO DIÁLOGO, DESDE QUE FRANCO E ISENTO DE TENDÊNCIAS E PRECONCEITOS”. (A caixa alta da mensagem original foi mantida).
No dia 3 de dezembro, a CGA (Corregedoria Geral da Administração) pediu que a PM se manifestasse novamente em 48 horas, mas a resposta chegou quase duas semanas depois, de forma parcial. Nela, a PM disse que utilizou 938 bombas e 506 balas de borracha no dia de maior repressão, mostrando que a instituição reviu o que considera uma informação secreta.
A resposta mais recente só veio após uma série de determinações da CGA para que a PM respondesse o recurso e sucessivos atrasos. Os novos números são diferentes dos entregues nas respostas anteriores. Segundo a PM, a demora aconteceu porque “ocorreu uma movimentação de responsáveis pelo sistema SIC [sistema de atendimento ao cidadão] da Polícia Militar, o que ocasionou a demora na remessa da resposta”.
Fonte: Carta Capital
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