Setenta e cinco anos atrás, em 1 de setembro de 1939, na Europa eclodiu a Segunda Guerra Mundial, outro incêndio sangrento que levou dezenas de milhões de vidas. Nosso colunista, candidato de ciências em história Piotr Iskenderov, lembra as lições daqueles trágicos acontecimentos.
Duas guerras mundiais é o preço que os povos do mundo pagaram pelos crimes, ambições e erros de seus próprios governantes. Mas se a Primeira Guerra Mundial foi realmente uma surpresa para a grande maioria dos europeus, não se pode dizer o mesmo sobre a Segunda Guerra Mundial. Ao longo de toda a década de 1930 na Europa estavam ocorrendo conflitos, e seu vetor global era bastante claro.
No entanto, como se viu, não era claro para todos. Os líderes da Grã-Bretanha e França, em vez de se contraporem realmente ao agressor ganhando força, que era a Alemanha de Hitler, optaram por seguir o curso de seu “apaziguamento”. Foi justamente por culpa desses países que no final da década de 1930 foi perdida a última chance real de estabelecer uma coalizão preventiva anti-hitleriana.
Em vez disso, a Europa viu negócios vergonhosos envolvendo inclusive aqueles estados que eram destinados, por sua vez, a tornarem-se as próximas vítimas da Alemanha nazista. Em vez de cortar pela raiz o fortalecimento do poder militar e político alemães, deram a Hitler a Áustria, os Sudetos, e depois o resto da Tchecoslováquia, fecharam os olhos ao surgimento de campos de concentração no país e ao desenfreio de antissemitismo bruto.
E alguns dos atuais críticos vocais da Rússia, em particular a Polônia, participaram eles próprios no desmembramento da Tchecoslováquia, não esquecendo, entretanto, de lançar acusações contra Moscou que ofereceu assistência militar a Praga.
Nos anais da diplomacia foi preservada a declaração proferida em maio de 1938 pelo embaixador polonês em Paris. Ele assegurou seu colega norte-americano de que a Polônia iria imediatamente declarar guerra contra a União Soviética se Moscou tentar transportar suas tropas para a Tchecoslováquia através de território polonês.
Na mesma altura, o ministro das Relações Exteriores francês Georges-Étienne Bonnet informou o lado polonês que o “Plano de Hermann Goering de divisão da Tchecoslováquia entre a Alemanha e a Hungria com a transferência da Silésia de Cieszyn à Polônia não é um segredo”. Na Silésia de Cieszyn na altura viviam 80 mil poloneses e 120 mil tchecos.
Era ainda mais cínica a posição dos então líderes do Reino Unido, incluindo o primeiro-ministro Neville Chamberlain. Segundo o vice-chanceler do Reino Unido Alexander Cadogan, o chefe do gabinete disse naqueles dias que “preferia se demitir que assinar uma aliança com os soviéticos”.
E em 10 de setembro de 1938, na véspera de uma reunião crucial de Chamberlain com Hitler sobre a questão da Tchecoslováquia, o conselheiro mais próximo do primeiro-ministro para assuntos políticos, Sir Horace Wilson, sugeriu a Chamberlain que confirmasse que “a Alemanha e a Inglaterra são os dois pilares que sustentam o mundo da ordem contra a pressão destrutiva do bolchevismo”, e que por isso ele “não quer fazer nada que pudesse enfraquecer a resistência que podemos juntos contrapor àqueles que ameaçam a nossa civilização”...
Stalin também estava defendendo seus interesses quando a União Soviética assinou o Pacto Molotov-Ribbentrop com os notórios protocolos secretos. O preço de tal conivência é bem conhecido: em 1 de setembro de 1939 Hitler atacou com todo o seu poderio militar não a União Soviética, como secretamente esperavam em Londres ou Paris, mas a Polônia. Em seguida, foi a vez de outros países da Europa Ocidental. O fortalecido regime alemão descartou todos os acordos e começou a redesenhar o mapa da Europa a seu exclusivo critério.
No entanto, após o fim da Segunda Guerra Mundial, as capitais ocidentais não tinham pressa em mudar suas abordagens para assuntos internacionais, habitualmente culpando Moscou de todos os problemas. Já em 1946 o governo do presidente dos Estados Unidos Harry Truman decidiu que a própria existência da União Soviética é incompatível com os interesses da segurança nacional norte-americana, recordou à Voz da Rússia o diplomata, doutor em ciências históricas, professor Valentin Falin:
“O mesmo dizia o premiê britânico Chamberlain: para que a Grã-Bretanha viva, a União Soviética deve desaparecer. Uma abordagem semelhante é professada pelo ocidente também hoje. Que “a Rússia deve desaparecer”, declarou em 1996 o então presidente dos EUA Bill Clinton. Segundo ele próprio admitiu, foi com ativa participação dos norte-americanos que foi desmembrada a Iugoslávia. E agora a o nosso próximo objetivo é desmembrar a Federação Russa, prometeu Clinton”.
Hoje na Europa, na Ucrânia, por iniciativa dos Estados Unidos e de alguns líderes europeus ocidentais está novamente sendo jogado um guião geopolítico antirrusso cínico. A população de Donbass está sendo sacrificada a planos de “isolamento” e “punição” da Rússia, de redistribuição de esferas de influência e fortalecimento de suas próprias posições.
“Nós não estamos em condição de uma nova “guerra fria”, mas as acusações públicas, exigências e ameaças por parte dos nossos líderes políticos contribuem claramente para a reconstrução de um tal ambiente”, salientou, com razão, nas páginas da edição norte-americana The National Interest o ex-embaixador dos Estados Unidos na Rússia Jack Matlock, Jr. Mas será que o ouvirão em Washington e Bruxelas?
Fonte: Voz da Rússia
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