Enquanto diversos países europeus analisam e aprovam projetos de lei proibindo o uso de vestimentas muçulmanas, como a burca e o niqab, quatro deputadas turcas celebraram sua liberdade nesta quinta-feira 31 ao entrar no Parlamento vestindo hijabs, os véus que cobrem a cabeça. Foi a primeira vez que isso ocorreu na Turquia, país onde as vestes religiosas eram proibidas em instituições do Estado até o início do mês.
Se na Europa o uso das vestimentas que escondem o rosto da mulher é visto como opressor e até mesmo o hijab é motivo de desconfiança, na Turquia o véu é sinal de liberdade.
Fundador do Estado turco moderno após a 1ª Guerra Mundial, Mustafa Kemal “Ataturk” combateu o conservadorismo do país em diversas frentes, entre elas a das roupas. Durante seu governo, dedicado a secularizar e modernizar a Turquia nos moldes ocidentais, foram aprovadas no país leis que regulamentavam como os homens turcos deveriam se vestir. O fez, um chapéu cônico tradicional, foi proibido e quem o usasse poderia ser condenado a trabalhos forçados ou enforcado. Nos anos 1980, a repressão chegou às mulheres. Véus e quaisquer outras vestes religiosas foram banidos de repartições públicas, hospitais e universidades.
Aos poucos, o véu se tornou um dos símbolos da clivagem existente entre secularistas e os adeptos do islã político na sociedade turca. No fim do século XX, mesmo com o país atravessando uma onda de liberalização política (que abriu espaço para os religiosos) e econômica, as proibições se mantiveram. Em 2013, após dez anos de governo do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), o principal porta-bandeira do islã político na Turquia, o banimento foi derrubado. Agora a população pode sair às ruas para qualquer lugar como bem quiser – com ou sem burca ou niqab.
O fim da proibição é sinal de liberdade para algumas mulheres, mas não passa de uma mudança superficial para a maioria delas. No ranking de desigualdade de gênero feito pelo Fórum Econômico Mundial, a Turquia aparece em 120º lugar entre 136 países, uma situação que exige reformas profundas no Estado. O fim do banimento dos véus deve marcar, também, um novo aprofundamento no cisma secular-religioso da Turquia. A presença de mulheres com essas vestes onde antes não apareciam será entendida como uma derrota para os defensores da “resistência modernista” diante do que dizem ser um processo de “islamização” da sociedade. Com o país ainda sentindo o rescaldo da repressão contra os manifestantes anti-AKP na praça Taksim e prestes a entrar em um complexo ciclo eleitoral, o véu deve continuar a polarizar as opiniões na Turquia.
Fonte: Carta Capital
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