Imagem comprova que revista Época manipulou um documento oficial da Procuradoria da República do Distrito Federal, ao reproduzir cinco linhas e esconder dos leitores a informação mais importante: o título. Ou seja: o MPF não "abriu investigação contra o ex-presidente Lula", o que existe é uma "Notícia de Fato"
A imagem abaixo é a prova material de que a revista ÉPOCA mentiu e manipulou um documento oficial da Procuradoria da República do Distrito Federal. Em sua edição desta semana, a revista reproduziu cinco linhas desse documento e escondeu dos leitores a informação mais importante: o título.
Diferentemente do que a revista afirma, na capa e na reportagem principal da última semana, o Ministério Público não “abriu investigação contra o ex-presidente Lula” por suposto “tráfico internacional de influência”. O único procedimento relativo ao ex-presidente no âmbito do MP é uma “Notícia de Fato”, que não pode ser confundida com investigação nem inquérito, não torna o ex-presidente “formalmente suspeito” de coisa nenhuma e muito menos o “enquadra” em qualquer artigo do Código Penal.
“Notícia de Fato” é um dos dois tipos de procedimento interno no âmbito do MP (o outro é o inquérito administrativo). Uma NF é o que o nome indica: uma notícia, uma comunicação feita por um procurador, para ser avaliada por outro procurador, que pode buscar mais informações (mas não pode quebrar sigilos, ao contrário do que diz a revista), pode receber esclarecimentos das pessoas mencionadas e depois decidir se 1) abre um inquérito, 2) move uma ação penal ou 3) arquiva o assunto.
Bem diferente do que ÉPOCA diz, a NF 1.16.000.000991/2015-08 é um despacho solitário do procurador do 4º Ofício de Combate à Corrupção, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, ao qual ele anexou nove recortes de notícias publicadas nos últimos dois anos. Não é um trabalho “dos procuradores” (no plural) do Núcleo de Combate à Corrupção, como sustenta a revista.
O despacho do procurador Anselmo Lopes tem 50 linhas, pontuadas por nove ressalvas e verbos no condicional: “possivelmente teria pago”, “teria feito”, “teria obtido”, “caso se comprove”, “poder-se-á, em tese”, “teria supostamente “, “teria custeado”, “em tese, poder-se-ia”, “nessa hipótese”. Nenhuma acusação, nenhum indício, nenhuma denúncia.
No mais surrado estilo “consta que”, o despacho do procurador Anselmo começa assim: “Chegou ao meu conhecimento, por vários meios e inclusive por notícias de diversos veículos de comunicação, que o ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva teria supostamente (…) obtido da empreiteira Odebrecht, direta ou indiretamente, vantagem econômica a pretexto de influir em atos praticados por agentes públicos estrangeiros”. Além de delirante, tal suposição, num documento oficial do MP brasileiro, é uma ofensa generalizada aos governantes de países com os quais o Brasil tem relação.
O despacho foi distribuído no dia 20 de abril para a procuradora do 1º Ofício, Mirella de Carvalho Aguiar, que desde então tem prazo de 30 dias (prorrogáveis até 90) para decidir se arquiva ou se dá algum tipo de seguimento ao despacho do colega Anselmo Lopes. Conforme os registros públicos da PR-DF, no dia 29 de abril o repórter Thiago Bronzatto retirou uma cópia integral do documento. Por que, então, ÉPOCA escondeu dos leitores que os trechos do documento citados e reproduzidos na revista eram de uma “Notícia de Fato”, com número, autor e data de autuação definidos?
A manipulação de ÉPOCA começou a ser desmascarada no mesmo dia em que a revista circulou, numa reportagem do jornal O Globo (do mesmo grupo editorial), em que a procuradora Mirella Aguiar esclareceu que não havia inquérito, apenas uma NF. Na segunda-feira 4, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo também publicaram os esclarecimentos da procuradora, reproduzidos em nota do Instituto Lula. Enquanto sua capa desmoronava, o editor-chefe da revista, Diego Escosteguy, divulgou duas notas reiterando o teor da reportagem.
O documento oficial está no final desse texto e é revelador: o que a revista trata como “investigação dos procuradores” é, na verdade, um conjunto de hipóteses do procurador Anselmo Lopes, formuladas a partir de notícias de jornal publicadas desde 2013.
Nenhum fato novo, que já não tenha sido desmentido ou esclarecido pelo Instituto Lula ou pelas duas instituições também citadas – o BNDES e a Odebrecht. Só que estes esclarecimentos, embora sejam de conhecimento público, não são mencionados no despacho do procurador Lopes.
Por exemplo:
1) A viagem do ex-presidente Lula a Cuba, República Dominicana e EUA, em janeiro de 2013, foi paga pela construtora conforme contrato para realização de palestra empresarial em Santo Domingo. Diferentemente do que insinuou reportagem de O Globo (12/04/2015) citada no despacho, não houve agendas secretas ou “sigilosas”. Isso foi esclarecido em anúncio pago na edição do Globo do dia 14/04, no qual a Odebrecht acrescenta que já contratou palestras internacionais dos ex-presidentes do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, e da Espanha, Felipe Gonzalez, dentre outros.
2) O despacho desconhece que os financiamentos do BNDES são decididos por uma direção colegiada, e não por seu presidente, Luciano Coutinho. Basta esta simples razão para derrubar a tese de que Lula “buscou interferir em atos praticados pelo presidente do mencionado banco”. O apoio institucional do BNDES às exportações de serviços brasileiros – como fazem todos os países competidores no mercado global – foi esclarecido pela direção do banco ao jornal O Globo, citado no despacho. De 1998 a 2015, o BNDES financiou exportações brasileiras de serviços para 45 países, principalmente para os EUA.
3) Nos oito anos de seu governo, o ex-presidente Lula atuou em todas as esferas legítimas para apoiar a abertura de mercados para empresas brasileiras – da aeronáutica à agropecuária, do petróleo ao artesanato – bem como trabalhou para atrair investimentos em nosso País. Essa tipo de ação, que deve ser motivo de orgulho, inclui naturalmente os contatos com governantes de outros países, e é exatamente disso que trata a reportagem do Estado de S. Paulo (24/09/2008) anexada ao despacho. Não é um “padrão” a ser investigado, mas a conduta de um chefe de Estado e de um líder político comprometido com seu país – esteja ou não no exercício do cargo.
4) É público e notório que o ex-presidente Lula, assim como outros ex-presidentes brasileiros e estrangeiros, é contratado para apresentar palestras e conferências, remuneradas de acordo com o reconhecimento de sua imagem. Não é correto chamar de “outras comissões” uma atividade legal, registrada em contratos com recolhimento de impostos, como faz o procurador.
Clique aqui para ler a íntegra do despacho da Notícia de Fato 1.16.000.000991/2015-08 (sem as manipulações da revista Época), indicando os links para as reportagens anexadas pelo procurador.
Fonte: Brasil 247
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