sexta-feira, 6 de novembro de 2015

BRASIL: A ABSURDA POLÍTICA EDUCACIONAL DO ESTADO DE SÃO PAULO


O problema não está apenas no deslocamento físico dos alunos, mas, sobretudo, da precarização das condições de ensino ao sobrecarregar ainda mais as salas.

Em outubro de 2015, o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou o fechamento de 94 escolas estaduais de ensino fundamental e médio como parte do Plano de Reestruturação da Rede de Ensino Estadual, que deverá entrar em vigência no início do ano letivo de 2016. A expectativa é que sejam fechadas 1.000 das 5.000 escolas da rede estadual, ou seja, 20% do total. Ao todo, serão transferidos cerca de 311.000 estudantes e mais de 1.400.000 serão diretamente afetados pela reestruturação. Para os docentes e funcionários, a reestruturação representaria risco certo de demissão de pelo menos 20% das categorias, sobretudo, os professores da categoria F e os funcionários terceirizados. De acordo com os anúncios oficiais encontrados na página eletrônica da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, os professores temporários com contrato vigente serão realocados nas novas unidades de ensino “à medida que houver necessidade”. 

O Secretário de Educação do Estado, Herman Voorwald, afirmou que o intuito de tal reestruturação é instituir ciclos para o ensino fundamental e o ensino médio e aglutinar os estudantes do mesmo ciclo em um mesmo prédio. Atualmente, a rede de ensino estadual atende alunos do 1º ao 9º ano do ensino fundamental e do 1º ao 3º ano do ensino médio no mesmo prédio. Segundo o secretário, esta nova organização possibilitaria otimização do ensino e da aprendizagem dos alunos, ao evitar que “alunos menores” convivam com os “alunos maiores”, ou nas palavras de Herman: “criando o espaço adequado para a criança para aquele segmento”. De acordo com o secretário, as escolas de ciclo único têm rendimento 10% superior àquelas com dois ou três ciclos. Segundo a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, “o ciclo único facilita a gestão pedagógica e colabora com o melhor rendimento escolar”.


Todavia, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo informa que apenas 43% do total de escolas da rede serão reestruturadas com base nos ciclos únicos, sendo que apenas 18% das escolas com dois ciclos passarão a ter um único.4 Isso demonstra, no mínimo, um contrassenso no que tange à preocupação pedagógica do governo de São Paulo: se é esta, de fato, a sua efetiva motivação para a reestruturação porque instituí-la para apenas 43% das escolas? Tal fato indica que a reestruturação possui um caráter essencialmente político-econômico em detrimento de uma efetiva e bem intencionada motivação pedagógica.

Os alunos que serão transferidos seriam realocados para escolas em um raio de até 1,5 km de distância da sua escola de origem. Segundo Herman, esta distância “será a máxima mobilidade para que professores e alunos tenham uma tranquilidade em mudar de escola e estar na escola apropriada”. Ainda de acordo com o secretário, os pais deverão comparecer nas atuais escolas de seus filhos no dia 14 de novembro (chamado como “Dia E”) a fim de atualizarem os dados de residência e serem informados para qual escola o filho será transferido, devendo até o começo do mês de dezembro (ou seja, num espaço de tempo de cerca de quinze dias, apenas) para solicitarem eventuais modificações, já que caberá às diretorias de ensino a realocação dos estudantes nas novas escolas. Para pais que possuem filhos cursando ciclos diferentes e que serão matriculados, consequentemente, em escolas diferentes, o secretário afirmou ser necessário um esforço dos pais para viabilizar o translado dos filhos, com vistas à melhoria da educação dos mesmos.


Tal ensejo é de um desrespeito atroz para com as condições de vida dos estudantes e dos país, tendo em vista que um número considerável deles trabalha e possui problemas de locomoção, devido ao alto custo dos transportes. Assim, o incremento nos custos de translado, a falta de tempo entre as jornadas de trabalho para o deslocamento, bem como o desestímulo oriundo de uma transferência compulsória e da inserção do aluno em salas de aulas superlotadas, podem contribuir expressivamente para o incremento da evasão escolar. A reestruturação outorgada pelo governador Geraldo Alckmin representa um afronta ao direito legítimo e já tão sucateado dos filhos dos trabalhadores deste Estado à educação de qualidade.

Segundo o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, a APEOESP, “a atual proposta representa mais do mesmo, utilizando uma metodologia que não resolveu os problemas da educação paulista e não melhorou a qualidade do ensino no passado e no presente. Com a separação das unidades escolares, além dos efeitos já apontados, a vida de grande parte dos professores que permanecerão na rede se tornará mais complexa, pois um docente que ministra aulas para os últimos anos do ensino fundamental e no ensino médio terá que se desdobrar em pelo menos duas unidades escolares para compor a sua jornada.”

Segundo Herman, “devido à queda da taxa de natalidade” a rede estadual de ensino possui um déficit de 2 milhões de vagas, montante ocioso que viabilizaria o projeto de reestruturação do governo estadual no que tange ao fechamento de centenas de escolas. Na contramão do argumento do governo estadual, a prática docente, bem como os índices oficiais, dão conta de que existem atualmente centenas de salas de aula superlotadas, muitas com quase 50 alunos. (C.f.: “Professores de SP Denunciam superlotação em escolas estaduais“, G1, e “Mais de um mês após início das aulas, escolas de SP ainda têm salas superlotadas“, IG) De acordo com a APEOESP, o ano letivo de 2015 foi iniciado com “45, 50 e até mesmo 60 estudantes em classes do ensino regular e até 100 estudantes em classes da Educação de Jovens e Adultos”. Portanto, do que se trata a vacância de 2 milhões de vagas da qual fala o secretário Herman?

O TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) “visitou escolas em todo o Estado de São Paulo, inclusive do ABCD, e constatou que 95% das unidades educacionais possuem salas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio lotadas, contrariando o estipulado pelo CNE (Conselho Nacional de Educação), que prevê até 30 alunos por turma. Para se ter uma ideia, 15% das salas do Ensino Médio contam com mais de 45 estudantes. A superlotação das salas agravou-se ainda mais no início deste ano, com o fechamento de mais de três mil salas de aula em todo o Estado”.


Segundo a APEOESP, a reestruturação não se trata apenas de um deslocamento físico dos alunos, mas, sobretudo, da precarização ainda maior das condições de ensino e aprendizagem ao sobrecarregar ainda mais as salas já superlotadas. É importante frisar que, se de um lado temos um “déficit de 2 milhões de estudantes” , e de outro salas de aulas com 50 alunos a medida pedagogicamente mais viável seria justamente distribuir de maneira mais racional os estudantes e não o fechamento das salas, tampouco de escolas inteiras. Segundo, Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente da APEOESP, não há fundamento pedagógico para a reestruturação da rede de ensino imposta pelo governo do Estado. Segundo ela, “mudar para superlotar ainda mais as salas de aula não é um avanço, mas sim um retrocesso”.

No mês de outubro, como já mencionado, o governo anunciou a primeira leva de colégios a serem fechados, sob a insígnia da “realocação”: até o momento serão fechadas definitivamente 94 escolas da rede estadual dispostas em 36 municípios do Estado, tendo transferidos os prédios para as prefeituras, ETECs, Centro Paula Souza, Diretorias de Ensino ou encerrando os contratos de aluguel. Tal designação vai de encontro à Meta 21 do Plano Estadual de Educação sancionado em 2014, que prevê “a municipalização dos anos iniciais do Ensino Fundamental”, consistindo, ao que tudo indica, o efetivo eixo programático da reestruturação.

Trocando em miúdos, o governo do Estado de São Paulo pretende municipalizar cerca de 1.000 escolas de sua rede logrando uma economia de bilhões aos caixas do Estado e transferindo o ônus aos Municípios. O próprio secretário da Educação, Herman Voorwald, afirmou que a competência estadual de ensino diz respeito ao ensino médio e não propriamente ao ensino fundamental, este configurando-se como competência própria dos Municípios. Sendo assim, da apreensão das palavras do secretário percebe-se que o intuito subjacente do projeto é transferir a gestão escolar do nível fundamental aos Municípios. É disso que se trata: não é uma mudança qualitativa com intuito pedagógico, é na verdade mais uma experiência daquilo que convencionou-se chamar como “choque de gestão”, forma de política pública engendrada por Aécio Neves (correligionário de Geraldo Alckmin) no governo do Estado de Minas Gerais. Tal política visa “o enxugamento da máquina, a bonificação de servidores de acordo com os resultados alcançados e a obsessão pela redução de despesas”.


O Ministério Público do Estado de São Paulo “abriu inquérito civil para cobrar explicações do governo do Estado sobre a reorganização das escolas estaduais. Ao mesmo tempo, a Defensoria Pública solicitou informações à Secretaria de Estado da Educação sobre o processo”. Ambos os órgãos exigem do Estado maiores detalhamentos de como ocorreria tal reestruturação, bem como seus fundamentos científico-pedagógicos.

Reiterando a terceira Lei de Newton, percebe-se uma movimentação popular de magnitude equivalente e contrária à reestruturação imposta pelo governo estadual. Já foram contabilizadas dezenas de manifestações encabeçadas por estudantes, pais e professores e a onda de rebelião tende a se ampliar por toda sociedade civil. Apenas na cidade de São Paulo no dia 29/10 cerca de 50 mil pessoas marcharam na Avenida Paulista contra a arbitrariedade da política tucana. São inadmissíveis quaisquer tentativas dos representantes do Estado de cercear ou dificultar o acesso da população aos seus direitos constitucionais.

Temendo a onda popular de protestos e a repercussão negativa para com a “opinião pública” e com o eleitorado, o governador do Estado do Paraná, Beto Richa (mais um correligionário de Geraldo Alckmin), suspendeu o fechamento já confirmado de 40 escolas a ser realizado no se Estado. No dia 30/10, o governador paranaense anunciou na sua conta no Facebook que suspenderia “qualquer medida que esteja em curso que implique o fechamento de escolas”, medida esta chamada de “otimização” e aprovada por ele mesmo no dia 26 do mesmo mês. “De acordo com a nova decisão, os critérios para o planejamento e ensalamento de estudantes para 2016 voltam a ser os mesmos que valiam para anos anteriores, antes do anuncio do plano de ‘otimização’”, disse o governador tucano.

Ação típica dos governos em tempos de crise, o atentado deliberado aos direitos e às condições dignas de existência da classe trabalhadora geram, cedo ou tarde, revoltas populares. Exemplos históricos de momentos de choques extremos de interesse classista que culminaram em enfrentamento direto não nos faltam – vide, por exemplo, as Jornadas de Junho de 2013.

As ruas têm dado o recado. Nestes tempos em que urge o investimento maciço em educação e cultura, os estudantes, pais e professores não se calarão frente ao absurdo que se configura o fechamento de escolas. Reestruturação da rede estadual de ensino com fechamento de escolas e demissão de professores perece uma medida plausível apenas para os interesses do capital. Não serão nossas escolas, já tão penalizadas, que pagarão pela crise. Beto Richa já recuou. E que Alckmin siga seus passos.

Natalia Scartezini é socióloga, professora universitária e doutoranda em Ciências Sociais pela UNESP de Marília/SP.


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