segunda-feira, 9 de novembro de 2015

BRASIL: DA AGENDA OPORTUNISTA À AGENDA PROGRAMÁTICA


Qualquer proposição que objetiva estabilidade macroeconômica tem que ser programática e não oportunista, como parece ser a proposta do PMDB.

Uma Ponte para o Futuro, em que propõe uma estratégia para “preservar a economia brasileira e tornar viável o seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidades”. 

Até aí, nada demais, principalmente porque em contexto de crises política e econômica, como as que estamos vivendo atualmente, é de se esperar que instituições (partidos políticos, sindicatos, órgãos de classe, etc.) apresentem propostas e agendas para que possamos sair delas o mais rápido possível. 

O que estranha, todavia, é que o conteúdo do referido Programa critica, implicitamente, o Estado e as políticas econômicas implementadas no primeiro governo de Dilma Rousseff, quando o PMDB também era Governo e o principal partido da base governamental. 

Como pragmatismo e oportunismo fazem parte da lógica (talvez, “dialética”) da política do PMDB, deixemos de lado esta questão e nos concentremos nas proposições econômicas de Uma Ponte para o Futuro. 

Entre 2011 e 2014 os resultados macroeconômicos da economia brasileira foram risíveis, comparativamente a outros períodos: a taxa média de crescimento do PIB foi da ordem de 2,1% ao ano; a inflação média anual fechou em 6,2% (relativamente elevada para um país que adota o regime de metas de inflação, cujo target é 4,5%), o saldo do balanço de pagamentos em transações correntes acumulou um déficit de US$ 279,1 bilhões e as relações déficit nominal do setor público (primário mais financeiro)/PIB cresceram, ano após ano, até atingirem um resultado de - 6,7% em 2014. 

É consenso que vários fatores contribuíram para os referidos resultados no primeiro governo Dilma Rousseff: volatilidade das políticas monetária e cambial, erros na condução da política fiscal, intervenções governamentais equivocadas nos setores de energia e petrolífero e incentivos governamentais (tais como créditos, subsídios etc.) direcionados basicamente para o crescimento de bens de consumo, entre outros (no período 2011-2014, as taxas médias de consumo privado e investimento foram, respectivamente, 3,1% ao ano e 1,8% ao ano).

Em 2015, a situação econômica do País agravou-se: as expectativas são de queda do PIB da ordem de 2,5%, inflação próxima a 10,0% e déficit nominal do setor público em relação ao PIB ao redor de 8,5%. Por que a economia deteriorou-se consideravelmente? Fatores para a deterioração não faltam: reajuste abrupto de preços públicos e administrados, restrição monetária (a Selic elevou-se de 11,0% ao ano para 14,25% ao ano), ajuste fiscal draconiano (contingenciamento de gastos, aumento de impostos etc.), overshooting cambial, crise política e desdobramentos da operação lava-jato, entre outros. 

Diante deste cenário, Uma Ponte para o Futuro argumenta que o responsável pelos atuais problemas econômicos do País é o “Estado brasileiro [que] vive uma severa crise fiscal (...) [cuja] despesa pública (...) cresce acima da renda nacional” (p.3). Assim sendo, as proposições econômicas apresentadas pelo Partido para que o Brasil encontre seus rumos do desenvolvimento são centradas, basicamente, na reestruturação/racionalização do papel do Estado na dinâmica econômica. Para tanto, são necessários: ajuste fiscal – caracterizado por cortes de gastos, evitando quaisquer aumentos de impostos; elaboração de um “orçamento verdadeiro” (mais especificamente, eliminação das vinculações constitucionais estabelecidas), fim de “todas as indexações, seja salários, benefícios e tudo mais” (sic, p.10) e reforma previdenciária, imprescindível devido à perspectiva de perda do bônus demográfico. 

Uma vez que o Estado seja reestruturado/racionalizado, segundo o programa pemedebista, os juros tenderiam naturalmente a cair e a dívida pública a ser solvente intertemporalmente: “A reforma fiscal permitirá, não apenas controlar a trajetória explosiva da dívida pública, bem como contribuirá para a redução da taxa de inflação e a redução da taxa de juros e do custo da dívida” (p.13).

Concomitantemente à reforma do Estado e ao ajuste fiscal, Uma Ponte para o Futuro elabora uma agenda para o “desenvolvimento” que tem como foco as reformas microinstitucionais. Nesse particular, questões relacionadas ao ambiente de negócios, “desenvolvimento centrado na iniciativa privada”, reforma trabalhista etc. (p.17-19) fazem parte desta agenda. 

Em nosso ponto de vista, a agenda econômica pemedebista, por um lado, é simplista pelo fato de entender que o ajuste fiscal e a reforma do Estado são a panaceia para os problemas econômicos, negligenciando, portanto, a importância de outras políticas econômicas, quais sejam, monetária e cambial. Por outro lado, a agenda microinstitucional (ou seja, de oferta) é incompleta ao deixar de lado reformas que são fundamentais para dinamizar as demanda efetiva e o produto potencial. 

Pois bem, o que fazer para que a economia brasileira possa, efetivamente, alcançar um quadro de maior estabilidade macroeconômica, em um regime de inclusão social e distribuição de renda? 

Em termos macroeconômicos, é necessário expandir a relação formação bruta de capital fixo/PIB dos atuais 19% para 25%. Ademais, são necessárias mudanças estrutural-institucionais para expandir a demanda efetiva e a capacidade produtiva da economia. 

No que diz respeito à política macroeconômica, a ideia é a seguinte:

(i) A política monetária deve comprometer-se com os objetivos de emprego e inflação. Em outras palavras, a política monetária, operacionalizada pelo Banco Central do Brasil (BCB), deve ter um duplo mandato. 

(ii) A política fiscal não deve ser implementada simplesmente para garantir o serviço da dívida pública a qualquer preço. Combinações entre juros baixos e controle sobre o gasto corrente a longo prazo são necessárias para aumentar o investimento público em infraestrutura e expandir os programas sociais. Ademais, a compatibilização entre uma desejada flexibilidade na política fiscal com a garantia das condições de sustentabilidade da dívida pública a longo prazo pode ser obtida pela divisão do orçamento público em dois segmentos distintos: (a) orçamento ordinário, relacionado às despesas correntes; e (b) orçamento de capital, relacionado às despesas de investimento público. O orçamento ordinário deveria estar sempre em equilíbrio ou preferencialmente superavitário, ao passo que o orçamento de capital estaria provisoriamente em desequilíbrio, de modo a viabilizar os investimentos públicos em infraestrutura e os programas governamentais nas áreas sociais. 

(iii) A implementação de um regime de câmbio flutuante administrado, visando à estabilidade e competitividade da taxa de câmbio real efetiva (TCRE), é desejável. Para que a TCRE seja estável e competitiva, é fundamental a regulamentação dos fluxos de entradas e saídas de capitais. Nesse sentido, a adoção de controles de capitais deve ser levada em consideração.

É importante deixar claro que a política macroeconômica acima explicitada não negligencia a questão inflacionária. A questão central é que a atual inflação brasileira está relacionada predominantemente a choques de custos (reajustes de preços públicos e administrados e overshooting cambial) e à indexação dos contratos. Nesse particular, eliminar a indexação dos preços, dos salários (1) e dos ativos financeiros, especialmente aqueles vinculados às Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), é fundamental para deixarmos a memória inflacionária para trás. 

Quais mudanças estrutural-institucionais? Inicialmente é necessária a redefinição do papel do Estado na economia, através da reconstrução dos mecanismos de coordenação desmontados ao longo dos anos 1990. Em outras palavras, o Estado tem que voltar a exercer suas funções de planejador, regulador e indutor da atividade econômica. Redefinido o papel do Estado, são imprescindíveis:

(i) Reforma tributária que tenha como objetivos tanto uma maior incidência da tributação sobre a renda e a riqueza quanto um caráter de maior progressividade. 

(ii) Reestruturação do mercado de capitais e do mercado de títulos de dívida corporativa privada, que leve em consideração a proteção do investidor, os limites à exposição de instituições financeiras e investidores institucionais a risco, os estímulos ao mercado secundário e uma tributação adequada ao perfil de risco. 

(iii) Definição de políticas de renda para regular os salários e os preços, em conformidade com os ganhos de produtividade da economia e a dinâmica concorrencial dos mercados. 

(iv) Marcos regulatórios transparentes, eficientes e ágeis para dinamizar as parcerias público-privadas e melhorar a infraestrutura. 

(v) Política industrial que tenha como objetivos dinamizar o investimento em P&D e os incentivos fiscais e creditícios para as grandes cadeias industriais, entre outros. 

Enfim, qualquer proposição de Agenda/Projeto Nacional que objetiva estabilidade macroeconômica e desenvolvimento econômico-social para o Brasil tem que ser programática e não oportunista, como parece ser a proposta pemedebista de Uma Ponte para o Futuro.

Nota:

(1) É importante ressaltar que não estamos defendendo a desindexação do salário mínimo, pois a recuperação do poder de compra dele, desde a implementação do Plano Real, foi essencial para a melhora da distribuição de renda. 


*Professor titular da UFRGS e pesquisador do CNPq

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