sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

BRASIL: IMPENSÁVEL RECONCILIAÇÃO


A história de Estela de Carlotto, presidenta da Abuelas de Plaza de Mayo, que há 35 anos busca o neto roubado pela ditadura argentina. Por Marsílea Gombata

A vida de Estela Barnes de Carlotto é dividida em duas partes. A primeira diz respeito a uma trajetória comum, com um casamento feliz, filhos e a carreira de professora encaminhada. A segunda é marcada pela eterna busca por seu neto e as circunstâncias exatas da morte de sua filha mais velha.

Aos 83 anos de idade, Estela é presidenta da Abuelas de Plaza de Mayo, associação civil que há 36 anos milita em busca de netos desaparecidos. Durante o regime militar argentino (1976-1983), todos foram tirados de seus pais militantes políticos e entregues a outras famílias.

A ditadura cívico-militar, como Estela gosta de lembrar, sequestrou e assassinou 30 mil pessoas de diferentes idades, condições sociais e religiões. “Nem mesmo crianças de 14 e 15 anos foram poupadas, assim como anciães e professores. Foi um verdadeiro massacre”, afirma ela em entrevista a Carta Capital.

A trajetória de Estela à frente de uma das principais organizações de direitos humanos da América Latina remonta a 1977, quando sua filha mais velha foi detida e morta aos 23 anos. Laura era estudante de história da Universidade de La Plata quando se envolveu com a Juventude Peronista e, mais tarde, com o grupo guerrilheiro Montoneros. Não era dirigente, mas uma militante de base quando foi sequestrada em 26 de novembro daquele ano e levada para um centro clandestino em Olmos, próximo à Ciudad de La Plata conhecido como La Cacha – referência macabra ao personagem de desenho animado La Cachavaca, bruxa que fazia desaparecer pessoas com sua varinha de condão. Grávida de dois meses e meio, Laura deu à luz em 26 de junho de 1978 Guido, filho a quem teve de se despedir poucas horas após o nascimento. “Diziam a ela que o entregariam a mim”, conta Estela. “Isso nunca ocorreu.”

Na madrugada de 25 de agosto, Laura e outro companheiro de cela foram retirados do cativeiro e levados para uma estrada que ligava a Ciudad de La Plata a Buenos Aires. Foram assassinados ali. “Fomos chamados ao comissariado com urgência, mas não sabíamos do que se tratava. Quando chegamos, ali estava Laura assassinada em um furgão, com tiros na cabeça e no corpo. Ainda tive o ‘privilégio’, entre aspas, de receber seu corpo e poder enterrá-lo”, lembra.

Divisor. Foi então que a vida obrigou Estela a mudar os planos. “Houve uma vida anterior a essa dor enorme, com meus sonhos, projetos e filhos e outra, na qual me jubilei para buscar meu neto.”

A obsessão pela verdade levou Estela a se juntar à associação de argentinas em uma situação semelhante: nenhuma delas, 40 anos atrás, pensaria estar hoje em busca de duas gerações. A Abuelas, até hoje, identificou no total 110 netos desaparecidos pelo regime militar. Mas o caminho ainda é longo: restam outros 400 dos quais não se tem qualquer notícia. Além dos parentes envolvidos, fazem parte da equipe da organização psicólogos, advogados, investigadores e técnicos geneticistas, responsáveis por manter um banco genético nacional, com amostras do sangue das famílias de militantes desaparecidos durante a ditadura.

“Meu neto hoje teria 35 anos e completaria 36 em junho. Não tenho qualquer informação que me leve a ele. Já tive algumas possibilidades, mas não coincidiram geneticamente. Assim, estou como se fosse o primeiro dia da minha busca: sem notícia alguma de Guido”, conta Estela. “E não quero ir desse mundo sem ter esse ‘prêmio’, sem poder abraçá-lo. Porque, para mim, a vida não tem outro fim senão esse. Tenho outros netos e filhos, mas minha vida é dedicada a preencher esse vazio.”

Estela diz compartilhar da dor de todos os familiares de países palcos de ditadura, como Chile, Paraguai, Honduras, Guatemala, El Salvador e Brasil. Mas alerta: a Argentina tratou de passar a limpo rapidamente o período repressor e, assim, obteve avanços em relação a verdade, justiça e memória.

“Houve algumas comissões da verdade e reconciliação, que para nós é uma palavra inaceitável, pois não temos que nos conciliar com ninguém. Precisamos julgar e castigar quem foi tão cruel e sanguinário”, explica. “Como no Brasil, aqui também tivemos a Lei de Anistia e Impunidade, que nos impedia de julgar e condenar os assassinos de nossos filhos. Mas as leis, como se sancionam, se revogam. Cabe ao povo pressionar o Parlamento para que ela deixe de valer, sobretudo porque estamos falando de crimes de lesa humanidade e não comuns.”

Fonte: Carta Capital

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